Textos introdutórios


QUE É OPINIÃO PÚBLICA?


Harwood L. Childs

A origem da expressão "opinião pública" está envolta em mistério. Na literatura da Grécia e Roma antigas, bem como ao longo da Idade Média, os filósofos tinham inteira consciência da importância da opinião das massas. A frase "voz populi, vox Dei" data da última parte da Idade Média. Foi só no século XVIII, entretanto, que se submeteu a expressão opinião pública a uma análise e tratamento sistemáticos. Durante os séculos XVII e XVIII escritores como Voltaire, Hobbes, Locke e Hume pagaram o seu tributo à força da opinião pública. Mas era esse o período da Revolução Francesa e devemos voltar-nos mais particularmente para os escritos de Rousseau para uma primeira e cuidadosa análise do assunto. Hobbes falou no mundo como sendo governado pela opinião; Lock considerou a opinião como uma das três categorias do direito; e Hume deu expressão à clássica afirmação de que "é somente na opinião que o governo se fundamenta; e esta máxima estende-se aos governos mais despóticos e militaristas, tanto quanto aos mais livres e populares". Blaise Pascal referiu-se à opinião pública como "Rainha do Mundo", ao que Voltaire replicou: "se a opinião é Rainha do Mundo, os filósofos governam a Rainha".

Rousseau, escrevendo no século XVIII, fez uma das mais claras análises do conceito de opinião pública em sua época. Aplicou sua teoria da infalibilidade popular ao estado, proclamando que "o desejo mais generalizado é também o mais justo". Este ponto de vista tem sido freqüentemente repetido desde então. Rousseau acreditava que mesmo o despotismo se apoia na opinião pública porque dizia ele, "o governo despótico é servil, mesmo quando fundamentado na opinião; pois você depende do preconceito daqueles a quem você governa pelo preconceito." Rousseau parece ter sido o primeiro a usar a expressão "l’opinion publique", e são valiosas suas considerações sobre as relações entre a opinião e o direito. Afirmou que "quem quer que se dedique à tarefa de legislar para um povo deve saber como manejar as opiniões, e através delas governar as paixões dos homens."
A Revolução Francesa, entretanto, estimulou a discussão do assunto da opinião pública em uma escala até então sem competência das massas para governar. Na Alemanha a Revolução inspirou o tratamento sistemático do assunto por Wieland Garve, Fries e Hegel. Dessas discussões surgiram definições mais precisas dos termos, bem como tentativas de determinar o correto papel da opinião pública nos negócios públicos. Garve, por exemplo, definiu a opinião pública como "o acordo de muitos ou da maioria dos cidadãos de um país quanto aos julgamentos a que chegou cada indivíduo de per si como resultado de sua própria reflexão ou de seu conhecimento prático sobre um determinado assunto". Esta definição chegou a nós praticamente intacta nos escritos de Lowell e outros cientistas políticos. A maioria dos escritores alemães da época considerava que a competência da opinião pública para governar estendia-se apenas aos princípios gerais. Hegel formulou a teoria, percursora do fascismo, de que a opinião pública só devia ser respeitada quanto aos princípios essenciais nela contidos, e que cabia ao dirigente descobrir quais esses princípios essenciais.
Jeremy Bentham foi o primeiro a tratar minuciosamente do assunto em inglês. Sublinhou a importância da opinião pública como meio de controle social, discutiu sua relação com a legislação e foi um dos primeiros a examinar o papel desempenhado pela imprensa na sua formação. Afirmava que a opinião pública era necessariamente parte integrante de qualquer teoria democrática do Estado. O problema fundamental da opinião pública, era a seu ver "salientar a retidão das decisões por ela tomadas".
A crescente importância da imprensa em sua relação com a formação da opinião pública atraiu o interesse de muitos. Estudiosos de direito e jurisprudência, analisaram cuidadosamente as relações entre a opinião pública, o direito e as instituições políticas. Sociólogos e psicólogos prestaram cada vez mais atenção à questão de como realmente se forma a opinião pública. Muitos outros salientaram o caráter emocional e irracional do processo formativo da opinião pública.
Os escritos de A F BENTLEY, em 1908, inspiraram longa lista de estudos relativos à influência dos grupos de pressão sobre a opinião pública. A Guerra Mundial e as obras de LASSWELL, STERN-REUBARTH e outros chamaram a atenção para o papel da propaganda. A variedade de estudos especializados de fatores particulares que influenciam a formação da opinião pública só teve par na multiplicidade de fatores que podem ser estudados.
Salientaram os sociólogos a importância da opinião pública como meio de controle social; os psicólogos, o papel desempenhado por vários fatores hereditários e ambientais na formação das opiniões individuais; estudiosos do direito, a influência da opinião pública sobre as diretrizes governamentais; estudiosos da ciência política, sua influência sobre o governo, bem como a influência das instituições governamentais, oficiais ou não, sobre ela.
Um dos aspectos mais perturbadores de todo o assunto da opinião pública é a crescente intensidade dos conflitos de opinião; são as divergências cada vez maiores entre os grupos; é a ausência de premissas e objetivos de aceitação geral. A guerra, seja ela entre povos, raças ou classes, é um reflexo deste estado de opinião. O problema da redução das diferenças de opinião entre as nações e entre as classes é, em grande parte, um problema psicológico, o da reconciliação e harmonização das diferenças de opinião. Para consegui-las, é necessário, antes de tudo, descobrir por que os estados de opinião são o que são, quais as suas verdadeiras causas.
VIRGINIA SEDMANN, por exemplo, depois de cuidadosa análise das definições de vários autores concluiu que "opinião pública" é, para nós, uma força ativa ou latente, derivada de um agregado de pensamentos, sentimentos e impressões pessoais, ponderados pelos vários graus de influência ou agressividade das opiniões individuais dentro do todo."
FLOYD H. ALLPORT, no primeiro número de Public Opinion Quarterly também tentou trazer ordem ao caos de conceitos, analisando a literatura especializada e localizando diversas noções enganadoras que causavam os desentendimentos. Chamou a atenção, especificamente, para as ilusões e soluções irrefletidas, tais como: 1) a personificação da opinião pública; 2) a personificação do publico; 3) a ilusão do grupo; 4) a ilusão do uso parcial do termo público; 5) o que ele chama ficção de uma entidade ideativa; 6) a teoria emergente; 7) a teoria eulogística; 8) a ilusão jornalística. E também acrescentou uma definição como contribuição: "A expressão opinião pública recebe seu significado com referência à situação pluri-individual na qual os indivíduos se expressam a si próprios, ou podem ser chamados a faze-lo, como favorecendo (ou, pelo contrário, desfavorecendo e refutando) alguma situação, pessoa ou afirmação definida de grande importância, em uma tal condição numérica, de intensidade ou de constância que possa causar a probabilidade de uma ação que afete, direta ou indiretamente, o objeto". Se isto é o que queremos dizer por opinião pública, é fácil compreender por que razão os novatos sentem aversão pelo problema e o evitam.
A expressão "opinião pública" é, evidentemente, uma expressão geral e bastante lata, como muitas outras expressões úteis do nosso idioma, tais como"partido político","tempo" e"democracia". Só quando se refere a um público específico e a opiniões específicas sobre assuntos definidos é que ela adquire um significado no sentido de poder ser estudada. Neste ponto, é semelhante à palavra "tempo", definida por um dicionário, no sentido que nos interessa, como"um estado da atmosfera". Os estudiosos da metereologia não costumam preocupar-se com o tempo em geral, mas sim com o estado da atmosfera em um determinado período e num determinado lugar. Definida nestes termos, a palavra "tempo" torna-se significativa e pode ser estudada. Da mesma forma, a expressão "opinião pública" deve ser relacionada com um público específico e com opiniões definidas sobre alguma coisa. Então é possível estudá-la, descobrir qual o seu estado, por que razão ela é o que é, que mudanças tem ocorrido e continuam a ocorrer, e o que deve ser feito, se alguma coisa precisar ser feita.
A utilização e definição da palavra "público" não implica na "seleção de um atributo comum a um grupo e a sua aplicação como característica que dá a essa massa de indivíduos uma individualidade distinta". Público é, simplesmente, qualquer coleção de indivíduos. A falta de especificação da coleção de indivíduos que constituem o público a que os referimos tem conduzido a infindáveis dificuldades.
O número de diferentes públicos em uma comunidade é, teoricamente, o número de possíveis diferentes combinações de indivíduos nessa comunidade. Entre os públicos mais importantes, via de regra, figuram os grupos organizados, tais como os cidadãos de um Estado e os membros de partidos políticos, sindicatos, organizações comerciais, confrarias e associações políticas e profissionais. Mas públicos são também grupos não organizados, tais como multidões, fregueses, leitores de jornais e clientelas de diferentes tipos. Para fins de ilustração, um público pode significar simplesmente um grupo formado por todas as pessoas que, em um determinado dia, passam junto a uma certa caixa de correio. Além disso, os mesmos indivíduos podem fazer parte, simultaneamente, de vários públicos. Isto quer dizer que eles podem, ao mesmo tempo, fazer parte de uma torcida de futebol, da clientela de um médico, de uma associação, de uma igreja e de um partido político. Estudiosos do assunto, bem como líderes e manipuladores da opinião pública, mostram interesse por públicos diferentes e por diferentes aspectos destes públicos.

Talvez a palavra "opinião" possa ser definida como "a expressão verbal de uma atitude".

Para os nossos fins, é bastante aceitar a definição de atitude dada por um psicólogo, que a considera "a soma total das inclinações e sentimentos, dos preconceitos ou pendores, das noções preconcebidas, idéias, receios e ameaças e convicções que um homem tem sobre qualquer assunto específico. Em outras palavras é uma tendência para agir de um modo particular, uma tendência que se libera cada vez que surge o estímulo adequado. Assim como as atitudes são subjetivas, as opiniões são objetivas, e tomam a forma de palavras escritas ou faladas.
As opiniões diferem uma das outras em muitos aspectos, tais como conteúdo, forma em que são expressas, qualidade estabilidade, intensidade, e maneira como se formam ou se adquirem. Qualquer um destes aspectos, sozinho ou em conjunto, pode assumir importância, dependendo do interesse do observador ou pesquisador. Uma cientista pode interessar-se principalmente pela veracidade da opinião, ou pela maneira como ela se formou; um novelista, pela forma com que ela se expressa. Um publicitário ou político pode prestar atenção, principalmente, para os tipos de pessoas, que tem uma determinada opinião, para seu nível econômico, sua posição social e sua influência.
É claro que uma opinião é sempre a opinião de uma pessoa, não de um grupo considerado como tal. A opinião pública, refere-se sempre a um grupo de opiniões individuais, e não a uma coletividade mística que paira no ar por sobre as nossas cabeças. Para descobrir qual é um determinado estado da opinião pública, portanto, temos de colecionar opiniões de indivíduos. Este ponto não mereceria destaque especial, a não ser por terem alguns escritores pensando em termos de uma "mente de grupo", completamente separada e distinta das mentes das pessoas tangíveis.
Por opinião pública considero, pois, simplesmente uma determinada coleção de opiniões individuais. O estudo das opiniões da assistência a uma reunião é tão especificamente um estudo de opinião pública quanto o das opiniões dos eleitores dos Estados Unidos. Estamos, geralmente, interessados naquelas coleções de opiniões cuja influência sobre nossos negócios é considerável.

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CAMPO MIDIÁTICO, OPINIÃO PÚBLICA E LEGITIMAÇÃO
Eugenia Mariano da Rocha Barichello – UFSM


Genealogia da Opinião Pública


O vocábulo “opinião” possuía originariamente dois sentidos distintos que ainda persistem nos seus atuais usos. O primeiro é epistemológico e provém de seu uso para distinguir a questão do juízo de um fato. Esse significado deriva da expressão latina opinio e o sentido primitivo do termo ainda está refletido em seu uso quando se refere à opinião como juízo. O segundo sentido de opinião está relacionado às conotações da modernidade e, nesse caso, destaca-se o papel da opinião popular como uma classe informal de pressão e controle social.

Já a palavra latina publicus deriva de populus ou poplicus, que significa o povo. Mas havia mais de um sentido no termo “povo” originário: o de acesso comum ou lugar público (res publica) e o de interesse comum ou bem comum. Res publica era qualquer propriedade aberta à população e nesse sentido a essência desse conceito é a de abertura ou acessibilidade.

Outro significado, de surgimento mais tardio, do vocábulo público, diz respeito a questões de interesse geral, especialmente os assuntos de Estado e, nesse sentido, refere-se ao interesse comum ou bem comum.

A invenção da imprensa de tipos móveis no século XV permitiu a ampla difusão de publicações, que foram reforçadas no século XVI pelo incremento do comércio e a expansão da alfabetização, a esses fatores somou-se a Reforma Protestante, que criou um amplo público leitor sem a mediação formal da Igreja. Além disso, a profissionalização das artes, especialmente da literatura, substituiu a antiga prática do mecenato pela necessidade do apoio popular, fato que fez florescer um público leitor e instigou os estudos fundadores sobre a noção de opinião pública.

O conceito de opinião pública é um produto do Iluminismo, e a combinação dos termos “opinião” e “pública”, com significado político, só aparece nas filosofias liberais do século XVII e do século XVIII e, especialmente, na teoria democrática do século XIX. Embora não tenha sido proposto explicitamente até essa época, muitos pensadores fizeram antecipações sobre a teoria moderna da opinião pública.

Até o final do século XIX os teóricos da opinião estavam empenhados em descrever ou medir esse fenômeno na sociedade, que parecia ir ganhando cada vez mais força especialmente com o aprimoramento das tecnologias de comunicação.
Em 1901, Gabriel Tarde publicou L’ Opinion et la Foule. Essa obra constitui um marco na teoria da Opinião Pública e posiciona-se contra o pensamento de sua época, que previa uma desordem fatal na sociedade provocada pela democracia da massa. Para Tarde, as idéias não são de seu autor, ou seja, não são propriamente inventadas mas trazidas à luz, descobertas. O encontro da idéia no fluxo social é que consiste no ato individual. Quando explicita a diferença entre público e multidão, afirma que o “publico poderia ser uma multidão virtual” (1992, p. 38-49), mas admite a diversidade dos públicos e a divergência existente entre os mesmos, que podem estar juntos por seu acordo parcial em alguns pontos. Segundo o autor,

o público só pode começar a nascer após o primeiro grande desenvolvimento da imprensa, no século XVI. O transporte da força a distância não é nada, comparado a esse transporte do pensamento à distância (...) um público especial só se delineia a partir do momento, difícil de precisar, em que os homens dedicados aos mesmos estudos foram em número demasiado grande para poderem se conhecer pessoalmente, percebendo que os vínculos de uma certa solidariedade entre eles só se estabeleciam por relações impessoais de uma freqüência e regularidades suficientes. (Tarde, 1992, p. 34-35)

Numa perspectiva histórica, Tarde foi o primeiro a teorizar a nova forma de relação social da massa, a qual ele dá o nome de público. A opinião deixa o campo da razão pura e da crítica e passa para o da socialização.

Jürgen Habermas (1978), credita a essas tendências históricas a formação de uma esfera pública crítica. Segundo esse autor, o público ilustrado do século XVIII ganhou força com a consolidação da burguesia e da crítica liberal ao Estado Absolutista. Com o incremento de uma esfera pública ativa a opinião emergiu como uma nova forma de autoridade política, que podia desafiar o governo absolutista. Ele considera o sentido de opinião pública derivado do Iluminismo como procedente do debate, do discurso racional. Assim, o debate é público no sentido de procurar determinar o bem comum, a vontade comum, e não significa apenas um encontro de várias individualidades; é público, também, no sentido de sua abertura, ou do desejo de que haja uma participação efetiva das partes; é, também, soberano e igualitário, ao operar independentemente do status econômico e social, favorecendo mais as idéias do que o político; e, ainda, deve ser alimentado pela publicização dos assuntos políticos e suas consequências.

Essa noção de que a opinião pública transcende a opinião individual e reflete um bem comum abstrato continuou influenciando o pensamento até o século XX e está subjacente às tentativas de medir e quantificar a opinião pública.

Os dados provenientes de sondagens de opiniões individuais são reconhecidos por alguns investigadores atuais e rechaçados por outros. Entre os que os reconhecem estão aqueles que consideram as sondagens como levantamentos primários para o estudo da opinião pública. Já os autores críticos reclamam a necessidade de um controle teórico, ou constante reflexão, sobre a formação da opinião pública e a forma como esse processo funciona em cada época e sociedade, sem descuidar do aspecto coletivo.

Price defende a simultaneidade das ações coletivas e individuais. Segundo ele, é necessária alguma forma de compreensão dos processos de formação da opinião pública, por meio de observações, medições e análises, sem decompo-la em processos de opinião de indivíduos diferenciados. Assim, postula que mais relevante do que estudar os públicos e opiniões em si, é preciso conceituar “los procesos de comunicación por medio de los cuales se constituyem los públicos e dentro de los cuales se formam las opiniones sobre questiones públicas”. (1994, p.100)

O interesse pelo processo, por meio do qual se desenvolve o debate público na atualidade e seu papel na sociedade, alimenta investigações em várias áreas do conhecimento, com metodologias diversas como entrevistas estruturadas (usadas especialmente em sondagens ou abordagens amostrais), análise de conteúdo ou de discurso (dos conteúdos da mídia, de plataformas políticas e documentos) e entrevistas em profundidade (especialmente com grupos).

Segundo o dicionário Houaiss (2001, p. 2071), opinião pública é “o acordo da totalidade, ou grande maioria, das opiniões de uma coletividade sobre questões de interesse geral. Opinião que traduz a vontade popular, em assuntos que dizem respeito à condução dos destinos de uma coletividade”.
Como vimos nessa breve historicização do processo de formação da Opinião Pública o que emerge com mais recorrência é a imbricação deste com os processos de discussão, debate e tomada de decisão. A base democrática do conceito de opinião pública é indiscutível, mas as formas como esse conceito é utilizado variam.

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Contribuições para o conceito de opinião pública

Rubens Figueiredo - Diretor do CEPAC
Sílvia Cervellini - Gerente de Planejamento e Atendimento do IBOPE Opinião

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Resumo

Os autores retomam algumas críticas sobre o problema da definição de opinião pública e apresentam uma proposta conceitual que contempla quatro aspectos. O primeiro aspecto diz respeito à opinião pública quanto ao processo de formação, que deve ser o debate público; o segundo diz respeito à sua forma, ou seja, a expressão pública da opinião; o terceiro é o objeto específico da opinião, que diz respeito à relevância necessária para gerar o debate público. Finalmente, o quarto aspecto é o sujeito da opinião pública, que não tem limites precisos a não ser seu aspecto coletivo.

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As dificuldades enfrentadas por alguém que se aventure a conceituar o que seja a opinião pública advêm de quatro ordens de fatores mais relevantes. Em primeiro lugar, quando nos referimos à opinião pública, agrupamos eventos e situações que se apresentam como objetos de estudo de diferentes áreas das Ciências Humanas: Ciência Política, Sociologia, Antropologia, Comunicação, Economia e Psicologia Social. Desse modo, uma conceitualização que se pretenda universal deve utilizar os instrumentos dessas diversas ciências, ou seja, a abordagem teria que ser necessariamente multidisciplinar. Qualquer conceituação que dê ênfase a um aspecto específico - a economia e suas expectativas racionais, por exemplo -, certamente pecará pelo reducionismo.


Em segundo lugar, a expressão opinião pública faz parte da família de conceitos que podem ser considerados clássicos em algumas ciências. No caso da Ciência Política, por exemplo, a questão da opinião pública (a “lei da opinião ou reputação”) aparece nos escritos de J. Locke como uma espécie de substrato moral da sociedade. No Contrato Social, a opinião pública surge em estreita correlação com a soberania popular, as leis, os costumes e a moral. O fenômeno foi também estudado por pensadores importantes como Kant, Burke, Benthan e Benjamin Constant3.

Em terceiro lugar, a “popularização elitizada” da expressão emprestou uma amplitude à idéia de opinião pública que faz qualquer conceito parecer limitado, ou radical, em termos de impor regras classificatórias muito rígidas. Ademais, existe uma tendência da mídia a tratar os fenômenos de opinião pública exatamente como “fenômenos”, algo fora do normal. Talvez os exemplos mais marcantes sejam as campanhas das eleições diretas, que “mobilizaram a opinião pública”, a morte de Ayrton Senna, que “consternou a opinião pública” ou as atitudes de Collor, “que afrontaram a opinião pública”. Dessa forma, retira-se do senso comum a possibilidade de entender como “fenômenos de opinião pública” manifestações mais localizadas, no plano da quantidade dos sujeitos, ou mais latentes, no plano do nível de expressão de opiniões.

Em quarto lugar, a idéia de opinião pública ficou muito contaminada com o surgimento das pesquisas de opinião,na década de 1930 nos EUA. Como o conceito de opinião pública é anterior às pesquisas e como as pesquisas retratam os aspectos mais visíveis, interessantes e discutidos da opinião pública, é natural que a associação pesquisa-opinião pública seja feita, ainda que essa associação certamente não ajude no esforço de se conceituar algo que, afinal, existe independentemente das pesquisas.

Para completar o quadro, Pierre Bordieu 4, em texto muito comentado, defende a tese de que a opinião pública, simplesmente, não existe. Associando opinião pública às pesquisas, Bordieu se apóia basicamente em três argumentos contestatórios. Primeiro, nós pesquisadores partiríamos da errônea premissa de que a produção de opinião esteja ao alcance de qualquer indivíduo. Segundo, nós também partiríamos do falso pressuposto de que todas as opiniões têm o mesmo valor. Por último, Bordieu duvida que os temas pesquisados sejam de real interesse de todos os respondentes, ou seja, ele acredita que impomos assuntos que nos parecem importantes, sem nos basearmos em um real consenso a esse respeito.

O longo debate e novas reflexões

Procurando sistematizar uma controvérsia de 200 anos, Harwood L. Childs fez, em 1965, uma análise das diversas definições sobre opinião pública e concluiu que todas pecavam por “confinar” o sentido da expressão com base em alguma premissa limitadora, conforme mostra o quadro resumido abaixo.

                                                               Tabela 1 - Definições de opinião pública*

Tipo de definição
Limite
1.0
Julgamento social ou consciência comunitária sobre questão de interesse
geral, após discussão racional.
0 processo de formação da opinião pública não é sempre racional.
2.0
Sentimentos sobre qualquer assunto entre grupo dos mais informados, inteligentes e
moralmente superiores da sociedade
Elitiza o sujeito da opinião pública. Não existem critérios objetivos para definir quem sejam os “moralmente superiores”.
3.0
Quando o grupo envolvido é secundário, sem intermediações, sem contato direto com a fonte.
Restringe mais uma vez o sujeito da opinião pública.

4.0
Atitudes, sentimentos e idéias de um
grande número de pessoas sobre um
assunto público importante
Limita os fenômenos a assuntos públicos importantes desconsiderando aqueles que
podem vir a ser importantes.
5.0
Opinião que, embora não
necessariamente consensual, seja
majoritariamente aceita.
Não lida com as freqüentes situações de conflito.
6.0
Opinião pública é um composto de
número e intensidade de opiniões.
Número e intensidade qualificam, e não definem, opinião pública.
7.0
Reações e afirmações definidas em uma
situação de entrevista.
Opera um reducionismo, pois associa a opinião pública ao momento da entrevista.
8.0
Opiniões das pessoas que o governo
acha por bem conhecer e seguir.
Restringe o sujeito e os temas da opinião pública.
*Tabela preparada pelos autores a partir de sistematização das informações sobre H. L. Childs, citadas in Oskamp (1977).

Acreditando estar resolvendo definitivamente a questão, Childs define opinião pública como “coleção de (quaisquer) opiniões individuais”. Na verdade Childs, ao tentar resolver um problema - a limitação que várias definições impõem a opinião pública - acaba criando outro, pois propõe uma definição extremamente genérica que, a rigor, não define nada. No limite, a opinião de um casal sobre um determinado sapato poderia ser interpretada como um fenômeno de opinião pública, na medida em que se trata de uma “coleção de opiniões individuais”.

Certamente o senso comum associa mais freqüentemente a idéia de opinião pública aos resultados das pesquisas, provavelmente porque essa é sua forma concreta mais óbvia e mais divulgada nos dias de hoje. Mas além do público em geral, muitos analistas preferem compreender a opinião pública como o resultado que se verifica nas pesquisas. Essa identificação traz vários problemas, muito bem expostos em um texto de Bernard Manin, “Le concept d'opinion publique”6. Neste texto o autor descreve as 3 dimensões básicas no debate entre críticos e defensores das pesquisas, mostrando que elas correspondem às diferenças essenciais de conceituação da opinião pública.

A primeira dimensão é paralela à limitação, criticada por Childs, em relação ao tipo de público que pode ser o ator da opinião pública. Os críticos das pesquisas não aceitam que igualemos todas as opiniões individuais, dando o mesmo peso para segmentos mais ou menos politizados, organizados, influentes, escolarizados ou informados sobre o tema pesquisado.

Os defensores das pesquisas rebatem dizendo que com o advento do sufrágio universal cada voto vale um voto, independentemente da qualificação do eleitor. Em termos de organização, influência e informação, os comícios do PT em 1989 e 1994 foram muito mais ruidosos, organizados e concorridos do que os de seus adversários, mas nem por isso o candidato petista venceu seus concorrentes.

Finalmente, com relação à informação, os defensores das pesquisas argumentam que opinião é diferente de conhecimento. Do ponto de vista psicológico, a opinião está mais perto das crenças do que de atitudes formadas sobre bases absolutamente racionais e bem informadas7.

A segunda vertente das críticas centra-se na idéia de que as pesquisas estariam medindo algo completamente diferente das definições históricas de opinião pública, localizadas no final do século XVIII e começo do século XIX. Naquele contexto, a opinião pública era encarada como base de legitimação da democracia (contratualismo) e o requisito básico para tal seria a existência de uma deliberação racional, exprimindo um interesse geral resultante. Habermas, um dos expoentes dessa vertente, coloca a opinião pública, tal como aparece atualmente, como parte do que ele considera uma deterioração da rede comunicativa embasada em um debate racional entre cidadãos. Conforme explica Manin8, para Habermas as pesquisas medem “opiniões comuns” mas não “opinião pública”. A racionalidade, dentro da tradição da Escola de Frankfurt, deve ser o caminho para a utopia da emancipação e só existe ao lado de uma “discussão pública, que não sofre restrições e que é isenta de dominação, sobre a adequação e a conveniência de princípios e normas que orientem o agir à luz dos reflexos sócio-culturais.... Uma comunicação dessa espécie, em todos os níveis dos processos políticos e repolitizados de formação da vontade”9. Trata-se, portanto, de uma visão racionalista da opinião pública, que estaria deslegitimando qualquer manifestação pública baseada em fatores de caráter mais emocional, ou debates que Habermas consideraria despolitizados.

A terceira dimensão da polêmica é paralela à anterior, pois usa como ideal de opinião pública aquela que se origine de uma discussão espontânea entre atores livres de influências externas e que serviria de base para a vida democrática. Conforme descreve Susan Herbst10, Pierre Bordieu, no seu texto “A Opinião Pública não Existe”, levanta a questão da imposição de problemáticas aos entrevistados, que se estivessem livres da pressão não escolheriam aqueles temas para opinar. Nesse sentido, nós pesquisadores estaríamos fazendo parte de uma elite que controla o teor das discussões públicas.
7 “Um dos mais interessantes aspectos sobre questões públicas é o grau em que as pessoas preferem sustentar opiniões 'vigorosas' em matérias sobre as quais não possuem quase informação nenhuma”. Lane e Sears (1966).

Uma proposta conceitual inicial

Retomando essas críticas, podemos dizer que parte dos problemas da definição de opinião pública são realmente conseqüência de sua identificação com as pesquisas: o peso de cada indivíduo, a espontaneidade, a deliberação. Para evitar isso, pretendemos, seguindo a sugestão de Manin11, conceber a opinião pública levando em conta a sua pluralidade. Segundo essa idéia, não existe uma, mas várias maneiras de identificar os fenômenos de opinião pública. Faria sentido falar em “opiniões públicas”. Assim, “a” opinião pública se expressa através dos grupos organizados, das manifestações mais ou menos espontâneas, das pesquisas, das eleições, dos comícios, das discussões em reuniões sociais, dos meios de comunicação etc. Nesse sentido, a opinião pública não designa apenas uma coisa, mas várias. Isso porque a coletividade também não tem uma única forma de se manifestar, mas diversas.

Um dos pioneiros na tentativa de conceituar opinião pública na sociedade moderna foi Walter Lippman12. Ele alertava para o fato de que o mundo onde vivemos é muito vasto e complexo para que cada um de nós possa apreendê-lo sozinho, de forma independente. Hoje, ao formarmos uma opinião sobre qualquer assunto, teremos necessariamente que contar com informações produzidas e veiculadas por instituições e não obtidas exclusivamente de nossa experiência individual, se é que existe experiência exclusivamente pessoal13.

Isso chama atenção para o primeiro aspecto de nossa proposta de conceito de opinião pública, que diz respeito à sua origem ou ao processo de sua formação. Ela deve se originar do debate público, ou seja, de um processo de discussão coletiva, implícito ou explícito. A diferença entre esse requisito e a idéia de “discussão pública” usada por Habermas14 é que não impomos “a priori” um tipo de racionalidade ao debate, nem esquecemos que concretamente falando, numa sociedade de massas as discussões podem se dar de maneiras difusas e muito complexas, sem que fiquem explicitadas. Até mesmo o processo de transmissão de comportamentos, via educação formal e informal, pode ser encarado como uma discussão coletiva.

Um segundo elemento do conceito diz respeito à sua forma. Trata-se da necessidade de que haja expressão pública da opinião, pois isso seria um pré-requisito ao debate. Daí a mportância das pesquisas, pois elas são capazes de expressar aspectos latentes do conjunto dos pensamentos individuais e, portanto, da própria sociedade. Talvez possamos dizer que as pesquisas são uma das formas em que a deliberação ocorre hoje em dia, funcionando como veículos de troca de informações sobre temas que já estão sendo discutidos e pensados por alguns grupos ou pessoas, mas que nem por isso são totalmente estranhos aos outros. Lippmann15 é bem realista ao dizer que em um sistema como o nosso os cidadãos não têm que ser interessados, bem informados e dispostos a tratar de todos os assuntos da vida pública com a mesma dedicação que cuidam de seus problemas privados, tendo sido criadas instituições e mecanismos que dão conta disso.

A definição de opinião pública deve também pressupor um objeto específico. Assim, o tema que gera a opinião deve ser relevante o suficiente para gerar a discussão pública. Isso significa dizer que o tema tem que ser, em alguma medida, público, ao menos para que os participantes do debate se ponham minimamente de acordo a respeito do que está sendo debatido. A opinião de um homem casado sobre sua sogra, por exemplo, não é um fenômeno de opinião pública. No entanto, se de alguma forma essa opinião ganha relevância pública - se esse é o ponto principal da trama de uma novela de grande audiência ou uma questão que envolva o presidente da República -, a opinião daqueles que discutem o tema passa a ser uma manifestação de opinião pública.

Por último, quanto ao sujeito da opinião pública, não acreditamos haver nenhuma limitação, a não ser o aspecto coletivo, ou seja, a opinião pública tem que corresponder à opinião de um grupo de pessoas que tenham algumas características comuns, não importando se pertençam a elite ou a massa, se são informados ou não ou se formam a opinião de maneira racional ou emocional. Nesse contexto, as manifestações de minorias - por mais “minoritárias” que sejam -devem ser consideradas igualmente como uma das formas de manifestação da opinião pública.

Faz sentido chamar de opinião pública, segundo o raciocínio que está sendo desenvolvido, todo fenômeno que, tendo origem em um processo de discussão coletiva e que se refira a um tema de relevância pública (ainda que não diga respeito à toda a sociedade), esteja sendo expresso publicamente, seja por sujeitos individuais em situações diversas, seja em manifestações coletivas.

Nos parece que uma conceituação como essa fica a meio caminho entre as definições segmentadas expostas na primeira tabela, que certamente restringem o entendimento do tema, e a definição proposta por Childs, cuja abrangência e permissividade colocam no âmbito da opinião pública uma série enorme de acontecimentos que tomam o coletivo pelo público.

As grandes lacunas

Em seu livro, The Nature and Origins of Mass Public Opinion, Zaller16 faz uma crítica a todos nós, estudiosos da opinião pública, por não existirem esforços consistentes de se criar uma teoria geral, algo que tivesse uma validade mais abrangente, dando conta das diversas dinâmicas já relatadas em estudos individuais, a partir de fenômenos isolados.

Podemos lembrar de alguns modelos que mudaram o rumo dos estudos de opinião pública, principalmente na área de comportamento político e eleitoral, tais como “the spiral of silence”, “the agenda setting”, “the two-step flow of communication”. O que Zaller questiona é não procurarmos extrapolar esses modelos para outros contextos de opinião pública e principalmente não procurarmos conectá-los ou contrapô-los a fim de chegar a modelos mais gerais.

Nesse sentido, apesar de não ser um modelo geral, a definição de algumas “propriedades da opinião pública” é um avanço e foi uma tarefa bem desempenhada por Key17, tratando de alguns níveis de abordagem muito úteis para a descrição e análise das manifestações de opinião pública: distribuição, direção, intensidade, coerência e latência.

Distribuição é a forma como as opiniões individuais sobre um tema estão agrupadas. Assim, podemos encontrar situações de consenso absoluto, onde todos têm a mesma opinião, até uma situação detotal dissenso, ondecada um tem uma opinião diferente. A distribuição observada nos dá, portanto, uma idéia do possível conflito em torno de algum assunto. Citando um exemplo recente, a lei da Prefeitura de São Paulo proibindo o consumo de cigarros em bares e restaurantes é apoiada, segundo dados divulgados pelo Instituto Datafolha e pelo IBOPE, por cerca de três quartos dos eleitores. Apesar de toda a polêmica que aparece na imprensa, as pesquisas indicam que não existe um clima real de conflito e que a lei provavelmente está sendo obedecida sem grande resistência por parte dos freqüentadores de bares e restaurantes.

Quando falamos da direção da opinião pública, estamos nos referindo a um posicionamento que aparece ao analisar-se o conjunto das opiniões a respeito do tema em questão. A análise da direção da opinião pública pressupõe que para cada tema de interesse público existem escolhas a serem feitas. A direção informa basicamente se determinado grupo está a favor ou contra alguma coisa. Quando as pesquisas mostram que 63% dos eleitores apóiam o Plano Real, temos uma indicação da inclinação favorável da opinião pública sobre esse assunto.

Além da distribuição e da direção, outra característica muito importante para se descrever satisfatoriamente uma manifestação de opinião pública é a intensidade. Esta propriedade indica o grau de adesão a cada opinião, dando uma medida de força da manifestação. Pode-se imaginar facilmente que os efeitos de uma situação onde a opinião pública é muito intensa são bem diferentes daqueles onde a força da adesão é menor. Durante a reforma constitucional de 1995, a maioria da opinião pública era favorável ao fim do monopólio estatal do petróleo. Mas a intensidade, o grau de adesão a essa tese, era muito menor do que o da minoria que era contrária à mudança, e que realizou ruidosas e seguidas manifestações contra o fim do monopólio.

Além de perceber para onde a opinião pública está apontando através de medidas de direção, com que nível de conflito, observando a distribuição e com que força, medindo sua intensidade, a outra propriedade presente na maioria das análises sobre fenômenos de opinião pública é a coerência ou consistência interna dos fenômenos.

Seguindo sua abordagem de tratar osdados em nível agregado, Everett Ladd18 fez uma análise das tendências da opinião pública americana sobre aborto. Em uma mesma pesquisa, 51 % dos entrevistados concordaram com a frase “toda mulher tem o direito de controlar o seu próprio corpo”, mas também 80% se opuseram à idéia de usar o aborto como forma de controle de natalidade. O analista interpretou tais dados como um desejo dos americanos em manter a liberdade individual, mas ao mesmo tempo forçar mais responsabilidade nas pessoas. Neste caso trata-se de uma incoerência lógica, mas que pode ter uma interpretação plausível19.

Esta combinação de distribuições de opinião logicamente antagônicas entre si pode ser um indicador de que as decisões estão muito frágeis sobre o tema e que uma argumentação convincente pode fazer a opinião pública mudar muito rápido. Ainda olhando a análise dos técnicos do Roper Center, duas pesquisas feitas na mesma época mas usando perguntas um pouco diversas entre si obtiveram resultados significativamente diferentes de aprovação à decisão da Suprema Corte em permitir que cada Estado adotasse medidas restritivas ao aborto.

A abordagem mais clássica da propriedade da coerência, porém, é aquela que foca as incoerências no nível da opinião individual, através de cruzamentos das respostas de um mesmo indivíduo a várias perguntas diferentes mas ligadas ao mesmo assunto. Um dos autores que refletiu e estudou muito sobre tais incoerências foi Philip Converse20. Baseado em um famoso experimento, Converse defendeu em 1964 a tese de que quando os temas de opinião pública não têm grande saliência para os indivíduos ou são difíceis para a maioria entender, a probabilidade de que as opiniões sejam artificiais e sem nenhuma estabilidade é muito grande. A partir disso ele criou o conceito de “não-atitudes”. Uma não-atitude é a ausência de uma atitude real, ou seja, é uma opinião que a pessoa dá sobre certos assuntos sem qualquer consistência, vazia de conteúdo.

Desafiando as conclusões pessimistas de Phillip Converse, Page e Shapiro escreveram recentemente um livro chamado The Rational Public21. Estes dois autores procuram demonstrar, através da análise de 50 anos de dados de pesquisas de opinião pública feitas nos Estados Unidos, que a opinião coletiva é estável e faz bastante sentido, a despeito da fraqueza das opiniões individuais. Isto resulta do que eles chamam de “efeito de agregação estatística”, além do processo social de formação das opiniões. Os autores utilizaram teoremas matemáticos para provar que o resultado obtido para uma opinião coletiva é igual à média das tendências centrais de cada indivíduo e que, portanto, a média geral reflete a verdadeira tendência central da opinião pública. Além da explicação matemática, estes autores nos lembram que cada indivíduo traz para a discussão coletiva um pouco de informação, evitando que as opiniões se baseiem em dados incompletos ou enviesados.

Após analisarem um sub-grupo de 1.128 perguntas que foram repetidas da mesma forma pelo menos duas vezes ao longo de cinqüenta anos, eles descobriram um nível de estabilidade incrível na opinião pública americana. Somente em 42% destas perguntas houve uma mudança significativa na distribuição das opiniões e destas, 43% foram diferenças de menos de 10 pontos percentuais, ou seja, muito pequenas para serem sinais de grande instabilidade.

A última propriedade da opinião pública que merece ser citada é a latência. O cientista político V. O. Key22 descreve esta propriedade como uma avaliação do estado de “hibernação” da opinião pública em oposição à “ativação”. Um fenômeno de opinião pública latente é aquele onde existe um potencial para uma manifestação, mas ainda não houve explicitação da opinião, ou seja, ela ainda não se tornou pública. A passagem do estado latente para o ativo vai depender da relevância e do nível de relação que o estímulo ativador mantém com os valores, crenças e atitudes básicos do indivíduo. Para lembrar uma passagem recente, quando o ex-presidente Collor em 1992 incitou os cidadãos a saírem às ruas de verde-amarelo para protestar contra as denúncias feitas contra ele, o que ele fez foi “ativar” o sentimento de repulsa da sociedade, que fez o contrário: os indivíduos preferiram sair vestidos de negro para demonstrarem seu descontentamento com a situação.

As pesquisas quantitativas possibilitam a análise de dados de opinião pública em relação a todas estas propriedades: distribuição, direção, intensidade, coerência e latência. No entanto, a simples observação de outras formas de manifestação da opinião pública pode fornecer indícios suficientes para uma classificação de um certo contexto como polarizado ou consensual, latente ou ativo, coerente ou incoerente etc.

A idéia de propriedades e a sua utilização enquanto instrumento analítico é importante, pois cada propriedade relaciona-se a um aspecto que auxilia na previsão de futuros movimentos ou efeitos das manifestações de opinião na vida da sociedade. Essas relações estão esquematizadas no quadro abaixo :

Tabela 2
Propriedades da opinião pública e dimensões previsíveis
Propriedades da opinião pública
Dimensões previsíveis
direção
conteúdo da escolha
distribuição
nível de conflito
intensidade
força de reação
coerência
estabilidade
latência
expressão de reação

Deve-se tomar cuidado, porém, com o nível de generalização das interpretações feitas com base em apenas um dos tipos de manifestação da opinião pública, pois um mesmo tema pode gerar reações diferenciadas que se expressam de formas diferentes nos sub-grupos existentes na sociedade ou comunidade em questão. Na verdade, voltamos à discussão da importância de um esforço conjunto dos pesquisadores de fenômenos de opinião pública para criar uma lista de possíveis generalizações em relação a estas propriedades e como elas aparecem em uma situação compartimentada e multifacetada, como são normalmente as que lidamos no dia-a-dia profissional.

Parece-nos que a questão central por onde deveríamos iniciar tal esforço é a das diferenciações internas à opinião pública, ou seja, a polaridade já definida como massa/elites, experts/não-experts, público interessado/desinteressado, formadores -disseminadores/ receptores etc. Será tal diferenciação inerente ao conceito e a operacionalização da opinião pública? Será que realmente existem pessoas sem opinião sobre determinados assuntos? Trata-se de uma diferenciação essencial ou contextual, isto é, cada indivíduo pode e efetivamente assume o papel de expert ou de desinformado dependendo do tema tratado?

Zaller23, por exemplo, defende a idéia de que obtemos nas pesquisas “opiniões temporárias”, pois cada indivíduo tem várias “opiniões potenciais” para um mesmo assunto, formando uma opinião específica de acordo com o contexto do momento da pesquisa. Perguntaríamos, portanto, se existem diferenças de capacidade para formar estas opiniões específicas e em caso positivo, o que isso significa para os movimentos da opinião pública?

A contrapartida é a tese de Page e Shapiro24, defendendo a consistência e estabilidade das correntes de opinião pública como um todo, independente das diferenciações individuais. Esta tese contraria totalmente a crença de que a opinião pública é algo facilmente manipulável por forças externas. Para eles, a opinião pública é o resultante de todas as forças envolvidas, podendo ser encarada como um sinal claro de uma sociedade sobre os rumos que está tomando.

O tema, como se vê, é amplo. Esse artigo pretendeu chamar a atenção para as dificuldades que o assunto apresenta, balizar algumas polêmicas e realçar a inexistência de uma conceituação de opinião pública que seja passível de ser aceita pelas diversas disciplinas entre os autores estudados, e que tenha como característica simultânea a capacidade de não ser tão restritiva (seja por elitismo, exigir racionalismo, buscar o consenso etc.) a ponto de limitar a discussão a um grupo minúsculo de fenômenos, de um lado, nem tão generosa a ponto de colocar no campo da opinião pública qualquer tipo de relacionamento social, por outro. A continuidade desse tipo de discussão servirá para definir melhor o nosso próprio papel de pesquisadores, na medida em que os limites de nossa atividade estão necessariamente ligados à nossa compreensão dos limites do nosso próprio objeto de estudo: a opinião pública.


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FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA OPINIÃO PÚBLICA

                                                                                                            
Sidinéia Gomes Freitas
Professora da Universidade de São Paulo

INTRODUÇÃO


Falar de opinião pública é assunto apaixonante e controverso. Isto posto, fica ainda mais difícil darmos um passo além e analisarmos o tema: Formação e desenvolvimento da opinião pública.
Pela profundidade do assunto, temos consciência de que não o esgotaremos, mas sim indicaremos alguns parâmetros para a sua discussão.

CONCEITO DE OPINIÃO PÚBLICA



Na verdade, o conceito de opinião pública vem se transformando através dos tempos. No século XIX ocorreu a primeira revolução industrial, surgiu a imprensa e as reivindicações deixaram de representar apenas os interesses de um grupo dominante, abrangendo caráter não só político, mas também social e econômico.
Os estudiosos da opinião pública consideram-na, antes de qualquer coisa, um estudo essencialmente interdisciplinar que envolve a Sociologia, a Psicologia Social, a Ciência Política e outras.
A reflexão nos leva, automaticamente, a lembrarmos de grupo, de público, de atitude de maioria, de opinião, do indivíduo no grupo, no público.
A professora Sarah Chucid da Viá refere-se à definição de Kimbal Young: “Opinião é conjunto de crenças a respeito de temas controvertidos ou relacionados com interpretação valorativa ou o significado moral de certos fatos”[1].
Monique Augras afirma “a opinião é um fenômeno social. Existe apenas em relação a um grupo, é um dos modos de expressão desse grupo e difunde-se utilizando as redes de comunicação do grupo”[2].
De fato, a opinião tem sua origem nos grupos, mas só assim não caracterizaremos a opinião pública, porque esses grupos transformam-se em públicos quando se organizam em torno das controvérsias, com ou sem contigüidade espacial, discutem, informam-se, refletem, criticam e procuram uma atitude comum, e atitude para a professora Sarah Chucid da Viá “é uma tendência para atuar, agir. Relaciona-se com os hábitos, com os comportamentos e transforma-se em opinião quando adquire um caráter verbal e simbólico”[3], mas onde fica o indivíduo na opinião pública?
Ora, todos nós sabemos que o indivíduo, o ser humano, é um ser social e não vive sozinho. No mínimo pertencerá ao grupo primário “família”. Na verdade, ainda não se sabe qual é a real natureza do termo opinião pública, mas analisando o que dizem os especialistas podemos encontrar pontos de destaque sobre o assunto. Vejamos:
Descrição: aprobul1
a opinião pública está diretamente relacionada a um fenômeno social que poderá ou não ter caráter político;
Descrição: aprobul1
é um pouco mais que a simples soma das opiniões;
Descrição: aprobul1
é influenciada pelo sistema social de um país, de uma comunidade;
Descrição: aprobul1
é influenciada pelos veículos de comunicação massiva;
Descrição: aprobul1
poderá ou não ter origem na opinião resultante da formação do público;
Descrição: aprobul1
não deve ser confundida com a vontade popular, pois esta se relaciona aos sentimentos individuais mais profundos;
Descrição: aprobul1
depende e resulta de uma elaboração maior;
Descrição: aprobul1
não é estática, é dinâmica.
Convém aqui destacar que a opinião de um grupo não é a opinião do público, e a melhor forma de esclarecermos o assunto ainda é o exemplo.
Assim, sabemos que no grupo primário “família”, a hierarquia, bem como a comunicação face a face, interfere na discussão que é mais do tipo democrático direto, onde geralmente a opinião preponderante é a do líder do grupo (o chefe da família, por exemplo).
No grupo primário “família”, os problemas são mais concretos, mas nas sociedades mais complexas, os grupos secundários (escola, igreja) caracterizam-se por apresentarem indivíduos com multiplicidade de tarefas e de atividades, e os problemas tornam-se mais abstratos, bem como as relações também se tornam mais abstratas e surge a controvérsia que, a meu ver, é a origem da formação do público.
A essa altura, surge o indivíduo no público que, segundo o Prof. Dr. Cândido Teobaldo de Souza Andrade:
Descrição: aprobul1
Não perde a faculdade de crítica e autocontrole;
Descrição: aprobul1
está disposto a intensificar sua habilidade de crítica e de discussão frente a controvérsia;
Descrição: aprobul1
age racionalmente através de sua opinião, mas está disposto a fazer concessões e compartilhar de experiência alheia.[4]
Seria bom se estivéssemos sempre diante de públicos e de indivíduos no público, mas Monique Augras nos diz que “A opinião pública é, declaradamente, uma alavanca na mão do demagogo. Daí em diante aparecerá um duplo aspecto: expressão genuína da vontade do povo e meio de manipulação desse povo”[5]. Nas sociedades complexas nem sempre a opinião pública influencia e determina ações, sejam tais ações de caráter puramente social, ou de caráter político e econômico. Por isso, precisamos verificar que fatores interferem na formação e no desenvolvimento da opinião pública.

OPINIÃO PÚBLICA: FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO



Além da classificação dos grupos, os fatores sociais, os psicológicos, a persuasão e os veículos de comunicação massiva interferem na formação e desenvolvimento da opinião pública.
No sentido de facilitarmos a análise isolaremos as interferências.

Fatores Sociais

O tipo de sociedade ao qual pertencemos, nossa classe social e as várias relações estabelecidas interferem na formação da opinião pública. Nas sociedades mais estáticas as opiniões são mais permanentes e se aproximam mais de crenças, enquanto que em sociedades mais dinâmicas os indivíduos tendem a mudar de opinião e devido à grande mobilidade social, opiniões se transformam ou até mesmo desaparecem.
Os grandes centros urbanos apresentam grande mobilidade social diferenciando-se da população concentrada em aldeias rurais, onde há mais dificuldades nos contatos e nas informações.
A classe social também interfere na formação da opinião. “Marx afirma que toda a opinião é opinião de classe, uma opinião determinada pelo grupo social em que se vive”, nos lembra a professora Sarah C. da Via.[6]

Os Fatores Psicológicos e a Persuasão


Os fatores psicológicos são os que melhor explicam a formação da opinião pública, pois opinião relaciona-se com o conjunto de crença e ideologia de um indivíduo que tem disposição para expressar-se (caso não se expresse trata-se de uma atitude latente) e “a opinião seria um dos modos de expressão dessa disposição, surgindo a propósito de um acontecimento determinado. Sendo essencialmente expressão, a opinião é de natureza comunicativa e interpessoal. Serve de mediadora entre o mundo exterior e a pessoa sob dois aspectos: 1) adaptação à realidade e ao grupo; 2) exteriorização”, nos lembra a professora Sarah C. da Viá.[7]
Ainda considerando a identificação, a projeção e a rejeição iremos encontrar os estereótipos criados nas sociedades de massa onde os fatores afetivos e irracionais funcionam com maior intensidade.
Os estereótipos apresentam algumas características que auxiliam sobremaneira a formação e desenvolvimento da opinião pública. Vejamos:
Descrição: aprobul1
o estereótipo é persistente, pode permanecer por gerações;
Descrição: aprobul1
é elaborado por um grupo para definir-se ou definir outro grupo;
Descrição: aprobul1
Apresentam a imagem idealizada do próprio grupo;
Descrição: aprobul1
apresenta a esquematização, onde as qualidades de um objeto são reduzidas a uma só;
Descrição: aprobul1
engloba todos em único conceito;
Descrição: aprobul1
tem função compensatória de frustrações, assim, o outro grupo passa a ser responsabilizado pelas frustrações.
Os estereótipos são, de fato, fantasias, mas fantasias que determinam atitudes que podem levar à ação. Pessoas, frases, modelos podem transformar-se em estereótipos.
Criar estereótipos, alterar e induzir opiniões irá requerer a persuasão. A persuasão tem na propaganda sua melhor arma de ação, pois a propaganda pode ser definida como técnica que manipula as representações, os estereótipos e influencia nas ações humanas, nas atitudes das pessoas. Por outro lado, sabemos que o homem é um ser social, é passível de influência e, portanto, pode ser persuadido. Quer e deseja a aprovação social.

PÚBLICO E OPINIÃO PÚBLICA


O professor Cândido Teobaldo de Souza Andrade e quase todas as obras que falam de Relações Públicas admitem a existência de grupos, mas sabem que um grupo pode ou não se constituir como um público. Desta forma, chegamos às características da opinião pública que, segundo o professor Teobaldo, fica assim caracterizada:
Descrição: aprobul1
não é uma opinião unânime;
Descrição: aprobul1
não é, necessariamente, a opinião da maioria;
Descrição: aprobul1
normalmente é diferente da opinião de qualquer elemento do público;
Descrição: aprobul1
é uma opinião composta, formada das diversas opiniões existentes no público;
Descrição: aprobul1
está em contínuo processo de formação das diversas opiniões existentes no público;
Descrição: aprobul1
está em contínuo processo de formação e em direção a um consenso completo, sem nunca alcançá-lo.[10]
Sabemos que os grupos de interesse, as pessoas interessadas e os espectadores constituem o público.
Os grupos de interesse têm importante papel na formação da opinião pública e, mais uma vez, o professor Teobaldo nos lembra que os grupos de interesse colocam a controvérsia e esforçam-se para obter aliados entre os desinteressados.
De fato, a opinião pública deve funcionar como fiscal necessário e, para que isto ocorra, os seres racionais devem tornar-se cada vez mais racionais, mas vivemos em uma sociedade de massas onde o interesse privado geralmente se sobrepõe ao interesse público. Hoje, o que temos é a multidão, que foi característica da antiguidade e da Idade Média. Temos a massa de consumidores. Onde está o público?
A opinião pública não é resultado do impulso de multidões passageiras que, excitadas por um fato novo e na fantasia criada pelos estereótipos e apaixonada por seus oradores, precisam adquirir a exata consciência de nação.
Precisamos não só informar, mas principalmente formar, e Canfield já registrava: “No seu papel de divulgar informações ao público, o profissional de Relações Públicas ocupa uma posição chave na formação de uma opinião pública esclarecida”[12].

OBSERVAÇÕES FINAIS


A controvérsia deve ser vista como fato natural em uma sociedade mais evoluída. Assim, a iniciativa privada e o governo devem acostumar-se a discutir.
Não é porque uma empresa é alvo de críticas, que deixará de existir. Pelo contrário, é necessário que se estabeleça o diálogo e que os empresários assumam sua responsabilidade social, pois o público não só deseja, mas principalmente merece explicações.
A estes aspectos, devemos incluir a administração da controvérsia e, neste caso, a profa. Sarah C. da Viá nos traz as diferenças no tratamento da informação, quando diz: “Numa comunidade de públicos, a discussão é o meio de comunicação fundamental, e os veículos de comunicação de massa, quando existem, apenas ampliam e animam a discussão, ligando um grupo primário com as discussões de outro”[16].






  








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