1.2 – ESPAÇOS PÚBLICO E PRIVADO
EM 20/02/14
Manipulação da opinião pública através da mídia –
segundo Chomsky
Linguista
genial, filósofo desconcertante e ativista político no mínimo polêmico, Avram
Noam Chomsky, nascido em Filadélfia em 7 de dezembro de 1928 tem seu nome
associado à criação da gramática ge(ne)rativa transformacional e evidentemente
à célebre Hierarquia de Chomsky, que versa sobre as propriedades matemáticas
das linguagens formais.
Além
de seu premiadíssimo trabalho acadêmico, tanto como professor quando
pesquisador em linguística, Chomsky tornou-se muito conhecido pela defesa de
suas posições políticas de esquerda — descrevendo-se como socialista libertário
— bem como por seu corrosivo posicionamento de crítico contumaz tanto da
política norte-americana quanto de seu uso da comunicação de massa para
manipular a opinião pública.
Em
uma de suas frases de efeito, Chomsky afirma que “a propaganda representa para
a democracia aquilo que o cacetete (ou repressão da polícia política) significa
para o estado totalitário”.
Em
seu livro A Manipulação do Público, em coautoria com Edward S. Herman, Chomsky
aborda este tema com profundidade apresentando seu modelo de propaganda dos
meios de comunicação, documentado com numerosos estudos de caso, extremamente
detalhados.
Um
viés social pode ser definido como inclinação ou tendência de uma pessoa ou de
um grupo de pessoas que infere julgamento e políticas parciais e, portanto,
injustas para uma sociedade tida como um sistema social integral.
A
abordagem de Chomsky explicita esse viés sistêmico dos meios de comunicação,
focado em causas econômicas e estruturais, e não como fruto de uma eventual
conspiração criada por algumas pessoas ou grupos de pessoas contra a sociedade.
O
modelo denuncia a existência de cinco filtros, gerados por esse viés sistêmico,
a que todas as notícias são submetidas antes da publicação. Filtros, que
combinados distorcem e deturpam as notícias para o atendimento de seus fins
essenciais.
1.o
Filtro — PROPRIEDADE: A maioria dos principais meios de comunicação de massa
pertence às grandes empresas.
2.o
Filtro — FINANCIAMENTO: – Os principais meios de comunicação obtêm a maior
parte de sua renda, não de seus leitores, mas sim de publicidade (que, claro, é
paga pelas grandes empresas).
Como
os meios de comunicação são, na verdade, empresas orientadas para lucro, o
modelo de Herman e Chomsky prevê que se deve esperar a publicação apenas de
notícias que reflitam os desejos, as expectativas e os valores dessas empresas
que os financiam.
3.°
Filtro — FONTE: As principais informações são geradas por grandes empresas e
instituições. Consequentemente os meios de comunicação dependem fortemente
dessas entidades como fonte de informações para a maior parte das notícias.
Isto também cria um viés sistêmico contra a sociedade.
4.°
Filtro — PRESSÃO: A crítica realizada por vários grupos de pressão que procuram
as empresas dos meios de comunicação, atua como uma espécie de chantagem
velada, para que os grandes meios de comunicação de massa jamais saiam de uma
linha editorial consoante com seus interesses, muitas vezes à revelia dos
interesses de toda a sociedade.
5.
Filtro — NORMATIVO: As normas da profissão de jornalista calcadas nos conceitos
comuns comungados por seus pares, muitas vezes estabelece como prioritário a
atenção ao prestígio da carreira do profissional (proporcionalmente ao
salário).
Prestígio
esse obtido pela veiculação de determinada notícia, sempre em detrimento do
efeito danoso à sociedade oriundo da manipulação dos fatos (por exemplo o
sensacionalismo) com o objetivo de atender o mercado ( e também, novamente
proporcionar prestígio tanto ao profissional quanto ao canal noticiante, como
dito antes).
A
análise de Chomsky descreve os meios de comunicação como um sistema de
propaganda descentralizado e não conspiratório, mas mesmo assim extremamente
poderoso.
Tal
sistema é capaz de criar um consenso entre a elite da sociedade sobre os
assuntos de interesse público estruturando esse debate em uma aparência de
consentimento democrático que atendem aos interesses dessa mesma elite. Isso
ocorrendo sempre às custas da sociedade como um todo.
Para
os autores o sistema de propaganda não é conspiratório porque as pessoas que
dele fazem parte não se juntam expressamente com o objetivo de lesar a sociedade,
mas, no entanto, é isso mesmo que acabam fazendo, infelizmente.
Chomsky
e Herman testaram seu modelo empiricamente tomando pares de eventos que são
objetivamente muito semelhantes entre si, exceto que um deles se alinha aos
interesses da elite econômica dominante, que se consubstanciam no interesse das
grandes empresas, e o outro não se alinha.
Eles
citam alguns de tais exemplos para mostrar que nos casos em que um “inimigo
oficial” da elite realiza “algo” (tal como o assassinato de algum líder, por
exemplo), a imprensa investiga intensivamente e devota uma grande quantidade de
tempo à cobertura dessa matéria.
Mas
quando é o governo da elite ou o governo de um país aliado que faz a mesma
coisa (assassinato de um líder ou coisa ainda pior) a imprensa minimiza e
distorce a cobertura da história.
E
ironicamente, tal prática é muito bem aplicada à maior parte dos escritos
políticos de Chomsky , que têm sido ignorados ou distorcidos pelos detentores
dos meios de comunicação mundiais.
Chomsky
aponta também em seus estudos algumas estratégias usadas pelos donos do poder
para realizar uma verdadeira “manipulação mental” feita através dos meios de
comunicação, mas isso já é assunto para um próximo artigo.
EM 17/02/14
Opinião pública ainda existe?
Por
Arnaldo Bloch em 05/10/2010 na edição 610
Jornais,
TVs, redes sociais, estado, Deus, urnas corporações: de quem é, hoje, a voz do
povo?
"Nós não precisamos de formadores de opinião. Nós somos a Opinião
Pública" – disse o presidente Lula, dias atrás, num arroubo contra a
imprensa, em meio ao último escândalo pré-eleitoral.
"Nós quem, cara pálida?", opinou, na rede, no ar e no papel,
uma parcela da sociedade. Dias depois, Lula já estava de novo exaltando a
liberdade de expressão como coisa mais importante do mundo, numa dinâmica que
vem se repetindo.
O fato é que o presidente tocou num tema relevante: se ela existe, em
que se transformou a Opinião Pública numa era em que os jornais e as TVs, como
fontes de informação relevante, se cruzam, no mesmo espaço, com o
entretenimento, as redes sociais, instituições, corporações e vozes
independentes de blogs, sites e indivíduos online? Que papel tem a educação do
público nesta equação? Nas colunas de papel que se seguem, cinco nomes de
primeira ordem no jornalismo e no pensamento das comunicações dão as suas
opiniões e divergem sobre o assunto. Aos leitores, a escolha de ler e formar
(ou não) a sua.
*******
Discutível, como deve ser
A opinião pública é de um duplo sentido: quer no
momento de sua formação, uma vez que não é privada e nasce do debate público,
quer no seu objeto, a coisa pública. Como "opinião", é sempre
discutível, muda com o tempo e permite a discordância: na verdade, ela expressa
mais juízos de valor do que juízos de fato, próprios da ciência e dos
entendidos.(...) A opinião pública não coincide com a verdade, precisamente por
ser opinião. (Dicionário de Política, Norberto Bobbio)
*******
O problema é de quem escreve
Alberto Dines
Nada mudou, a opinião pública não é uma entidade distinta, esotérica,
antropomórfica, cheia de caprichos. Opinião pública é a sociedade que se
manifesta. O conjunto que se comunica. Isto vale para todos os tempos, desde o
momento em que o homem aprendeu a conviver – alguns querem saber mais e,
sentindo que sabem mais, abrem-se à compulsão de se manifestar. São os tais
formadores de opinião: comadres, fofoqueiros, falastrões, escribas, párias,
imortais ou que nome tenham. Todos são formadores de opinião, os propriamente
ditos e os por eles formados, o processo é contínuo, em duas mãos e inúmeras
camadas.
A sociedade digital, "conectada", manteve a mesma estrutura
básica. As chamadas "redes sociais" não fazem grande diferença porque
dentro delas existem os mesmos núcleos e funciona o mesmo sistema. Alguns
fazem-se ouvir mais, por diferentes razões, geralmente porque o que dizem,
naquele momento, soa verdadeiro. Nosso problema hoje é outro: neste
Fla-Flu eleitorial só se presta atenção aos títulos, ninguém quer saber
de texto, contexto, hipertexto. Problema de quem escreve. [Alberto Dines é
jornalista e escritor]
*******
O espaço público foi para o espaço
Muniz Sodré
Há uma corrente de sociólogos que diz que a Opinião Pública não existe.
Seria um objeto que depende de um corpo fechado de avaliadores. Jornalistas,
especialistas, líderes de opinião, empresários. É, de fato, um discurso de
enunciados presumidamente coerentes, homogêneos, "de consenso",
extraídos da voz do espaço público.
Isso é algo ilusório. O espaço público existiu, sim, com força, nos
séculos 18 e 19 em vários países da Europa e até no Brasil, onde o movimento
abolicionista contou com o apoio de uma imprensa que talvez tenha sido a mais
livre, com gente da categoria de Rui Barbosa e José do Patrocínio. Formadores,
ou "Instrutores públicos", como diria Nietzsche.
O que foi acontecendo? Esse espaço foi se culturalizando, atravessado
pelo entretenimento e pela cultura de massa.
Ampliou-se, sem dúvida, mas perdeu a força política.
Porém, com o advento os meios digitais, redes sociais, a ideia do espaço
público foi de vez para "o espaço" e ganhou uma reinterpretação
privada.
Às vezes tem eficácia consensual, como nos casos da mobilização por
Obama, da Ficha Limpa, ou o pessoal que se opõe em Davos. Mas na prática do dia
a dia isso tem menos a ver com Opinião Pública.
É possível, mesmo, que as televisões e os jornais não tenham influência
sobre esse espaço da rede. As pessoas que frequentam esta praça estão mais
interessadas na blitz da lei seca, no passeio de bicicleta, do que em política.
[Muniz Sodré é presidente da Biblioteca Nacional]
*******
Tiririca, Deus e o twitter
Cristiane Costa
"Vox populi, vox Dei". O provérbio "A voz do povo é a voz
de Deus" não foi escrito em nenhum versículo na Bíblia, como muita gente
pensa, mas está lá no cancioneiro de Valdick Soriano para quem quiser checar.
Como bom ditado popular, ganhou ares de verdade irrefutável.
Da mesma forma como o direito de ouvir e reproduzir
a voz de Deus já gerou muitas guerras, muitos hoje gostariam de se arvorar de
verdadeiros intérpretes da voz do povo: as pesquisas de opinião, os políticos
no auge da popularidade, a mídia e até o trending topics do
twitter.
Mas o embate sobre o que é e quem representa a opinião pública vem
dividindo até os intelectuais.
De um lado, os discípulos de Junger Habermas, que veem a opinião pública
como espaço de disputa: o espaço público não é exatamente físico, mas uma
esfera política e cultural, onde o público produz uma opinião suscetível de
influenciar a vida pública, em torno da qual se realiza uma disputa de poder.
Para os discípulos de Pierre Bourdieu, tudo isso não passa de uma
construção simbólica.
"A opinião pública não existe", vaticinava. Para ele, era um
mecanismo de legitimação política com o objetivo de transformar uma opinião ou
vontade particular na vontade geral.
Para os dois, controle da opinião pública é igual a poder.
Dominar a opinião pública teria duas funções: fabricar consentimento
(tudo o que os governos querem) e revolta (objetivo das oposições e das
revoluções).
A imprensa, nesta visão instrumentalista, teria apenas um objetivo:
servir a interesses políticos. Ou manter o sistema ou questionar o status quo.
Sem margem de manobra, sem direito à imparcialidade, sem dar espaço ao leitor
para tirar suas próprias conclusões.
Mais moderna, a teoria culturalista ou "da recepção" prevê a
possibilidade de o público montar significados ou se apropriar de forma
diferente das mensagens. Assim, os efeitos podem ser inversos aos objetivos.
Tentativas de fabricar consentimento podem causar rebeldia. Tentativas
de produzir indignação podem banalizar tanto um assunto (como a corrupção), que
as pessoas se conformam: não tem jeito, todo político é ladrão. Ou, nas
palavras de Tiririca, "pior não fica".
O problema é que "público" é uma palavra escorregadia. Pode
ser tanto adjetivo (vindo do povo), como verbo (publicar, tornar público) e
como um sujeito (o público como ator social). De que público estamos falando
quando nos referimos à opinião pública? A grande novidade foi o uso das mídias
sociais como novo espaço público. Foi o passarinho azul do twitter quem levou
uma discussão política nacional que, em princípio, só interessa ao Brasil ao
topo dos assuntos mais discutidos do mundo nas últimas semanas. [Cristiane
Costa é jornalista e professora da UFF]
*******
Das praças gregas ao tribalismo
Antonio Rogério da Silva
A ideia de "opinião pública" é típica das sociedades modernas,
onde a formação de grupos de interesses e a possibilidade de divulgação de suas
posições se tornaram viáveis graças à existência dos meios de comunicação.
Entre os antigos helenos, que não possuíam outro meio além de fala e
escrita em tabuinhas de cera, o espaço da "opinião pública" se
restringia à "ágora" – praça principal das antigas cidades gregas – e
às assembléias para votação de uma lei ou a determinação de uma pena jurídica.
Poucos tinham direito a participar. Só os cidadãos masculinos livres podiam
expressar sua opinião. A formação de grupos capazes de influenciar a maioria –
sofistas, filósofos, famílias influentes etc. – levou algum tempo para ocorrer
e, quando se deu, o regime da cidade autônoma (polis) já estava em decadência.
Nesse sentido, o fenômeno da opinião pública é uma característica dos
estados modernos.
Por ser "opinião" (doxa) e não um conhecimento (episteme)
consolidado, e "pública" ao invés de privada, seu conteúdo está
sujeito a mudanças que acontecem com anúncio de novas informações relevantes e,
devido à mobilidade social, com a momentânea filiação de um indivíduo a um
grupo. Em casa, cada um pode ter uma posição que seja diferente da que tem no
trabalho, no clube ou entre amigos.
Ao longo do tempo, a democratização dos meios de comunicação – sobretudo
depois da Internet – permitiu que novas instituições e associações tivessem a
sua opinião divulgada a um número maior de pessoas. Nas democracias, as livre
expressão desses grupos permite também um esclarecimento rápido das falsas
proposições, o que proporciona um enriquecimento do debate, em geral.
Entretanto, quando partidos políticos que alcançam o poder tentam impor
suas opiniões como sendo a de toda uma população, com base em proclamados
índices de popularidade, então a democracia corre riscos históricos de se
transformar em demagogia, possibilitando o domínio dos "aduladores do
povo" – como dizia Aristóteles – que tentam fazer valer seus interesses
mesquinhos como se fossem de todos. [Antonio Rogério da Silva é doutor em
filosofia]
*******
Só reforma e educação salvam
Carlos Augusto Montenegro
A pergunta é simples, e ao mesmo tempo muito ampla. Gostaria de tecer alguns
comentários.
1) Acho que em uma campanha eleitoral as pessoas, políticos,
jornalistas, às vezes se empolgam e acabam por exagerar em algum tipo de
bravata.
2) Não existe democracia sem liberdade de imprensa, de pensamento, de
ideias. Neste item acho que o Brasil evoluiu muito e já esta no primeiro mundo.
3) Uma coisa que me chama a atenção no nosso país é que em países mais
desenvolvidos a imprensa, grandes jornais, TVs, revistas etc. informam sobre
uma campanha eleitoral com isenção e tomam partido no editorial.
Aqui, muitas vezes, vejo uma cobertura totalmente parcial e 100% isenta
no editorial!
4) Está claro que precisamos de uma reforma política, todavia quanto
mais educação para o povo melhor será nosso sistema político. E, talvez, a
Opinião Publica se aproxime da política.
5) Hoje ela se afasta por medo, vergonha e descrédito. Principalmente a
nova geração.
6) Hoje com a internet e as redes sociais cada vez mais as pessoas
trocam ideias, críticas, elogios, informação. Impossível controlar isso. Que
bom.
7) Enfim, Opinião Pública são as pessoas de uma Cidade, Estado ou País,
ricos ou pobres, formadores de opinião ou não.
Nesse sentido, de fato, a Opinião Pública somos nós. [Carlos Augusto
Montenegro é presidente do Ibope]
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed764_opiniao_publica_ou_opiniao_da_grande_midia
EM 20/02/14
JULGAMENTO
DO MENSALÃO
‘Opinião pública’ ou ‘opinião da grande mídia’?
Por Venício A. de Lima em 17/09/2013 na edição 764
Aqueles
que ainda acreditam que “a grande mídia é diversa e democrática” ou que “a
opinião pública é formada livremente” no nosso país, certamente terão nos
editoriais e no “enquadramento” único da cobertura política que tem sido
oferecida sobre a aceitação ou não dos “embargos infringentes” da Ação Penal nº
470 pelo Supremo Tribunal Federal, uma oportunidade concreta de reavaliarem
realisticamente suas crenças.
Ademais
da posição explícita da grande mídia, que atribui a si mesma a expressão da
opinião pública nacional [como se esta fosse independente da cobertura que ela
oferece], chama a atenção o fato de o “argumento da opinião pública” estar
sendo utilizado no próprio julgamento pelos preclaros juízes membros da Corte
Suprema que equacionam, sem mais, a opinião editorial e a cobertura política da
grande mídia como se constituíssem “a opinião pública”.
Existe literatura de excelente qualidade produzida por pesquisadores
brasileiros sobre a questão da opinião pública. Recomendo o recentemente
publicado A Corrupção da Opinião Pública, de Juarez Guimarães e Ana
Paola Amorim (Boitempo, 2013; ver prefácio
aqui).
De qualquer maneira, tendo em vista a recorrente atualidade do tema,
retomo argumento do qual tenho me valido ao longo dos anos em livros e artigos,
inclusive neste Observatório, qual seja: em momentos-chave da
história política brasileira a grande mídia tem atribuído a si mesma o papel de
expressão da opinião pública. Os resultados, salvo exceções poucas, têm sido no
sentido inverso da democracia.
1964: um exemplo apropriado
O historiador e cientista político Aluysio Castelo de Carvalho no seu
importante A Rede da Democracia – O Globo, O Jornal e Jornal do Brasil
na queda do governo Goulart (1961-64) (NitPress e Editora da UFF,
2010), ao estudar a Rede da Democracia – cadeia de emissoras de rádio criada em
outubro de 1963, comandada pelas rádios Tupi, Globo e Jornal do Brasil e
retransmitida por centenas de emissoras em todo o país, fazendo a articulação
discursiva para derrubada do governo de João Goulart – mostra como os veículos
estudados abandonaram a concepção institucional de
representatividade da opinião pública – aquela que se materializa por meio dos
partidos, de eleições regulares e de representantes políticos – e recorreram a
outra concepção, a publicista, que “ressalta a existência da
imprensa como condição para a publicização das diversas opiniões individuais
que constituem o público” (ver, a este propósito, neste Observatório,
“A
imprensa carioca no golpe de Estado“ e “Falta a
imprensa carioca no ‘Dossiê-1964’“).
A
adoção da concepção publicista faz com que não só a crítica aos partidos
políticos e ao Congresso se justifique, como também sustenta a posição de que
os jornais são os únicos e legítimos representantes da opinião pública.
A
partir da análise de pronunciamentos feitos na Rede da Democracia e de
editoriais dos jornais, Carvalho afirma:
“Ocorreu
por parte [de O Globo, O Jornal e Jornal
do Brasil) uma exaltação da própria imprensa como modelo de instituição
representativa da opinião pública (...). Os jornais cariocas construíram uma
imagem positiva da imprensa, em detrimento da divulgada sobre o Congresso.
(...) Os jornais se consideravam o espaço público ideal para a argumentação, em
contraposição à retórica dita populista e comunista que teria se expandido no
governo Goulart e estaria comprometida com a desestruturação das instituições,
sobretudo do Congresso. Os jornais se colocaram na posição de porta-vozes
autorizados e representativos de todos os setores sociais comprometidos com uma
opinião que preservasse os tradicionais valores da sociedade brasileira
ancorados na defesa da liberdade [liberal] e da propriedade privada” (p. 156).
Grande mídia e Justiça
Teria
sido a “concepção publicista”, analisada por Carvalho, um fenômeno reduzido à
articulação do golpe de 1964 pelos principais jornais cariocas ou essa tem sido
uma postura permanente da grande mídia brasileira?
No caso da Ação Penal nº 470, parece que juízes do Supremo Tribunal
Federal, também consideram que a opinião da grande mídia teria que ser levada
em conta, não apenas por ser a mediadora ou “refletora” da opinião pública, mas
por ser a própria opinião pública.
Estão
mais atuais do que nunca comentários feitos há muitos anos pelo desembargador
aposentado, escritor e político brasileiro José Paulo Bisol sobre o artigo 11º
da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Dizia ele:
“O
jornalismo brasileiro tem, entre outras paixões, a de participar de
investigações, a de investigar ele próprio e, principalmente, a de julgar.
(...) Concretamente, a mídia assume um papel de poder policial e judiciário
paralelos, mas, enquanto os poderes legítimos estão enclausurados em
princípios, diretrizes e normas legitimadas procedimentalmente em mandatos de
coerção cada vez mais cuidadosamente controlados (...), a mídia não apenas se
arvora ela própria em titular desse controle, mas assume, a seu critério, os
próprios mandatos de coerção, e os exerce na mais absoluta permissividade,
definindo, depois do fato, a regra moral a ele referida – precisamente ela que
adota explicitamente o relativismo ético – e aplicando punições não previstas constitucionalmente
e irrecorríveis, destruindo reputações, estabilidades, carreiras e vidas
inteiras sem conceder aos acusados um espaço de defesa equivalente ao da
acusação, quando concede algum, proclamando, em cima dessa tragédia, o triunfo
da liberdade de imprensa. (...) A mídia é, hoje, a mais recorrente violação do
artigo 11 da Declaração Universal dos Direitos Humanos” [ver íntegra
aqui].
***Venício
A. de Lima é jornalista e sociólogo, professor titular de Ciência Política e
Comunicação da UnB (aposentado), pesquisador do Centro de Estudos Republicanos
Brasileiros (Cerbras) da UFMG e autor de Política de Comunicações: um
Balanço dos Governos Lula (2003-2010), Editora Publisher Brasil, 2012,
entre outros livros.
OPINIÃO
PÚBLICA, IMPRENSA E PARLAMENTO
Fernando
Sá *
O
Jornal Folha de S. Paulo de 04 de
janeiro de 2004 publicou matéria originada em pesquisa de opinião pública
realizada pelo instituto Datafolha. Com a retranca Pesquisa, a matéria principal recebeu o seguinte título: “Igreja
Universal e os bancos ganham poder, diz Datafolha” e trazia em seu texto a
notícia que, entre os dias 8 e 12 de dezembro de 2003, o instituto teria ouvido
2.950 pessoas em cinco capitais brasileiras (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo
Horizonte, Salvador e Porto Alegre), com o objetivo de saber, na percepção dos
entrevistados, quais instituições ganharam poder de influência e prestígio no
Brasil entre os anos de 1995 e 2003.
No
entanto, o que nos chamou mais a atenção foi uma matéria coordenada a esta,
publicada no mesmo dia, e que tinha o seguinte título: “Imprensa e clubes
lideram em prestígio”. Ali, o texto afirmava que a imprensa, os clubes de
futebol e a Igreja Católica são as instituições com maior prestígio no país. A
imprensa foi avaliada como tendo muito prestígio por 73% dos entrevistados,
enquanto os clubes de futebol e a Igreja Católica foram avaliados dessa maneira
por 66% e 59% dos entrevistados, respectivamente. As instituições às quais se
atribuiu maior poder de influência são, novamente, a imprensa, o Poder
Executivo (Presidência da República e Ministérios) e os bancos. Para 74% dos
entrevistados, a imprensa tem muito poder, a Presidência (com os Ministérios) é
muito poderosa para 63% das pessoas ouvidas pelo Datafolha, e 61% delas dizem a
mesma coisa sobre os bancos. Por outro lado, entre as 12 instituições
pesquisadas, as que têm as menores avaliações de poder entre os entrevistados
são os partidos políticos, as empresas estatais e os sindicatos, e com menor
prestígio são, novamente, os partidos políticos e os sindicatos, além do
Congresso Nacional.
O
resultado dessa pesquisa revelou um desencanto da população brasileira com o
mundo real da política, mais particularmente com as instituições situadas no
campo da participação democrática da sociedade (partidos políticos, sindicatos
e Congresso Nacional) e uma identificação de graus elevados de poder e
prestígio em instituições que também lidam com o poder, mas com ênfase no campo
do simbólico (imprensa e Igrejas).
Como as
relações entre as instituições que detém o poder político, real e simbólico,
numa sociedade são extremamente delicadas e como algumas das idéias que
aparecem na pesquisa de opinião pública citada nos pareceram um pouco
desfocadas, nosso objetivo, nesse artigo, é provocar a reflexão sobre o
conceito de opinião pública e suas relações com a imprensa e o Parlamento numa
sociedade democrática.
Opinião pública
A
expressão opinião pública é delimitada por duas palavras que, ao longo da
história, sofreram muitas transformações em sua significação. Esta é a
principal razão para que a opinião pública seja um conceito polissêmico,
complexo e que tenham sido muitas as dificuldades para se chegar a uma
definição universalmente aceita por todos. Contudo, será o termo público aquele
que mais sofreu mudanças com o passar do tempo.
Tanto
na Grécia como em Roma ficam perfeitamente diferenciadas as categorias de
privado e de público. A esfera do privado gira em torno do domicílio doméstico
e nela acontece a reprodução da vida, o trabalho dos escravos, o serviço das
mulheres e tudo aquilo que está relacionado com a necessidade e a
transitoriedade. A esfera do público, ao contrário, refere-se a todas aquelas
atividades públicas onde o cidadão, liberado dos compromissos domésticos, pode
participar com liberdade das atividades cívicas (políticas) e comunitárias. Em
oposição à esfera privada coloca-se a esfera da publicidade, compreendida como
aquele espaço onde é possível a liberdade, o diálogo e a transparência; se a
esfera privada vem marcada pela subsistência e a transitoriedade, a esfera do
público é determinada pela competência entre os iguais e a procura pelo melhor
(Habermas, 1994: 41) .
A
evolução da publicidade representativa acontecerá agregada a certos atributos
da pessoa, como insígnias, hábitos, gestos e retórica, representados na figura
do nobre. Este código de conduta será cristalizado na Idade Média como um
código de virtudes cortesãs e eclesiásticas que se manifestam em forma de
festas (como os torneios), ou representações do tipo religioso (como procissões
ou atos de fé) e, mesmo que esta representação necessite de um entorno (súditos
e fiéis), o povo ficará sempre de fora, como espectador, pois a representação
exige distância e certa aura de mistério.
A
passagem da Idade Média ao Barroco implica uma mudança na representação: as
festas que antes se davam nas cidades ao ar livre, como os torneios, a dança,
ou o teatro passam agora das praças públicas, dos jardins e das ruas para os
salões dos palácios. Com o absolutismo, o Estado e as instituições públicas se
concretizam frente à pessoa do monarca e sua corte (que é considerada como algo
privado), passando a chamar-se público, a partir deste momento, uma série de
cargos e funções relacionadas com a administração do Estado. Inclusive a
religião passará a ser considerada um assunto privado.
A
burguesia emergente no século XVIII põe em funcionamento um novo sistema de
produção que, com o tempo, também trará uma nova ordem social. O novo marco das
relações será apoiado na circulação de mercadorias e notícias.
Superando
as barreiras do mercado local, dominado principalmente por grêmios e
confrarias, a burguesia desenvolve o comércio a longa distância, transformando
a cidade não tanto na base física do mercado, mas em sua base operativa.
Cidades do centro e do norte da Europa, diante da importância de seus mercados
e da concentração de comerciantes, contribuirão, inclusive, para o
desenvolvimento do sistema financeiro. A burguesia consegue desvencilhar-se do
conceito econômico original – vinculado ao senhor da casa e à vida doméstica –
e decide trasladar a praça, da casa ao mercado, e transformar a economia em uma
economia de trocas comerciais. Todavia, o importante desta mudança é que o
burguês continua atuando na esfera do privado, mantendo a distância entre a
ordem econômica e a ordem política. A esfera do poder público se concretiza em
uma administração constante e um exército permanente, onde a categoria do
público está reservada não mais para a corte, mas para o que diz respeito ao
estatal e seu funcionamento.
Sennet
nos lembra que ao final do século XV, na Inglaterra, identificava-se o público
com o bem comum em sociedade e, alguns anos mais tarde, o conceito será
ampliado para tudo aquilo que era manifesto e aberto à observação geral, onde
público significava estar aberto à consideração de qualquer um, enquanto que
privado significava uma parte da vida protegida e definida pela família e os
amigos. Um sentido semelhante também terá na França. O público passará a ter
uma acepção próxima ao conceito de bem comum, a significar o corpo político ou,
um pouco mais tarde, uma região especial da sociabilidade. Esta região encontra-se
na cidade, especialmente nas capitais, e o cosmopolita será o homem público por
excelência. É a época em que os parques, os hotéis, os salões ou os cafés se
transformam em centros de relação social, de exposição e de diálogo público
(Sennet, 1988: 27).
A
circulação das notícias segue um caminho parecido com a circulação das
mercadorias. As grandes cidades se transformam em fontes de notícias e os
comerciantes mudarão o velho sistema de informação por outro mais profissional
e rápido. Todavia, não será possível falar de correios ou imprensa no sentido
estrito até que as suas mensagens não sejam acessíveis ao público em geral
(século XVII).
A
imprensa periódica do século XVII não apenas informará sobre as mais variadas
notícias, mas as transformará em mercadoria. Além disso, e isto é importante, a
autoridade dará seu apoio à imprensa (por exemplo, o Cardeal Richelieu na
França dará apoio ao jornal dirigido por T. Renaudot) e utilizará este meio de
comunicação para dar ordens e baixar resoluções, convertendo os seus
destinatários pela primeira vez em público. Desta forma, a imprensa
começa a transformar-se em fiel servidora da administração.
O fato é
que o surgimento da opinião pública sofre um desenvolvimento dialético de ação
recíproca com o processo das liberdades públicas, que desembocará (na segunda
metade do século XVIII), por um lado, no surgimento do termo e na tomada de
consciência do poder da opinião pública em oposição a todos aqueles que querem
limitar os direitos e liberdades dos cidadãos e, por outro, na declaração
formal desses direitos e liberdades no âmbito das revoluções francesa e
americana.
O regime de opinião e a publicidade
parlamentar
O
regime de opinião é inaugurado como declaração quando o parlamentar inglês C.
J. Fox dirige-se à Câmara dos Comuns, em 1792, e diz que é verdadeiramente
prudente e correto consultar a opinião pública e proporcionar ao público os
meios adequados para sua formação. O público político intelectualizado alcançou
tal maturidade nos últimos anos do século, que passou a desempenhar o papel
permanente de comentarista crítico, que antes era uma exclusividade do
Parlamento, e acabou por transformar-se em interlocutor oficial dos deputados
(Habermas, 1994: 102).
Como
realidade, o regime de opinião instaura-se quando surgem os primeiros governos
liberais no princípio do século XIX e são levados à prática os ideais
democráticos propostos pelo Iluminismo. Em nenhuma das Constituições que são
elaboradas neste princípio do século é citado expressamente o termo opinião
pública, mas todas contêm o seu espírito, significado e referência. A partir do
momento em que se aceita a origem popular do poder, as opiniões e desejos dos
cidadãos não poderiam estar fora do processo democrático e, mesmo que o mundo
da opinião fique em liberdade, não será a voz da opinião pública, mas a da
vontade geral que passará a expressar-se em atos formais ou a articular-se em leis.
Esta ambigüidade, vivacidade e versatilidade que lhe são atribuídas é o que faz
com que não faça parte formalmente da lei, mas do exercício de certas
liberdades que permitem o diálogo público e a participação de todos os cidadãos
nos assuntos de interesse geral. Mas, também é importante notar que, embora não
seja citada expressamente no corpo da lei, quem ocupa o poder estará sempre
atento à sua manifestação, pois será desta opinião que extrairão a sua
legitimidade.
Segundo C. W. Mills (1980: 167-168), a
liberdade de discussão é a característica mais importante do público que opina.
No regime de opinião também funciona o princípio de autoridade (ligado ao de
racionalidade e discussão), mas serão as instituições democráticas as que
possibilitarão a discussão pública, primeiro entre particulares e, depois, no
Parlamento.
O
pensamento político e o desenvolvimento democrático do século XIX serão os
responsáveis por levar à prática os conceitos que definem a essência do regime
de opinião: soberania, vontade geral e lei, limitação e divisão de poderes,
pluralismo político e parlamentar, articulação da vida pública através do
sistema de partidos políticos e do processo eleitoral, além de um certo número
de liberdades públicas que permitem que o novo sistema funcione. Pela sua
relação com a opinião pública e o regime de opinião destacamos, além da
liberdade de opinião, expressão e imprensa, o direito que todos têm àquelas
informações, particularmente as que se originam no Parlamento.
Os
intelectuais e todos aqueles que podem agir como tal, são os encarregados de
utilizar a razão pública para chegar a acordos sobre os assuntos de interesse
comum. O princípio da soberania popular, a elaboração de leis, a custódia dos
direitos, o controle da verdade e da moralidade pública estão assentadas no uso
público da razão e no princípio da publicidade. O público pensante dos homens
constitui-se no dos cidadãos, e a publicidade politicamente ativa converte-se,
sob a Constituição republicana, em princípio organizativo do Estado liberal de
direito (Habermas, 1994: 140).
A
publicidade parlamentar, contudo, é desconhecida nas etapas anteriores às
revoluções burguesas. Na Inglaterra, por exemplo, a imprensa não pode informar
durante quase todo o século XVII sobre os debates parlamentares, porque o
debate é considerado como um privilégio da aristocracia, encarregada de dar
sentido e direção aos assuntos públicos. Era considerada uma ofensa grave
publicar em opúsculos e periódicos o conteúdo dos debates parlamentares.
O regime
de segredo parlamentar na Inglaterra está vinculado ao regime de imunidades e
privilégios, com o duplo objetivo de proteger os parlamentares das possíveis
vinganças e arbitrariedades da monarquia e de evitar as pressões da população.
A defesa do segredo se dá de duas formas: impedindo que o público e a imprensa
tenham acesso às sessões parlamentares e proibindo a publicação de qualquer
notícia relacionada com os debates, sem a devida autorização.
Apesar
da afirmação do Parlamento na defesa do sigilo das sessões, o povo inglês
insistirá em conhecer os segredos da vida política e o mundo da informação
lutará para difundir as discussões parlamentares. É neste sentido que deve ser
entendido o surgimento de folhas noticiosas (que cobrirão os debates
parlamentares), o uso da sátira e a publicação por parte da Câmara dos Comuns
dos Votes and proceedings sob a vigilância do speaker, criando
uma situação ambígua caracterizada pela existência de editores e repórteres
privados que cobriam com interesse a atividade parlamentar, em contraste com
publicações oficiais sem difusão ou qualquer incidência social. É conhecido o
incidente protagonizado pelo Presidente da Associação da cidade de Londres que,
apesar de ser deputado, foi enviado à prisão da Torre por defender a causa dos
repórteres privados.
A
imprensa inglesa, durante o século XVIII e a primeira metade do XIX, foi uma
imprensa partidária, que ajudou a manter unida a oposição parlamentar. Passada
a Revolução Francesa o radicalismo inglês inicia sua luta, ajudado pela imprensa,
contra a natureza aristocrática da política, especialmente contra o imposto
sobre a impressão (stamp tax), a lei do libelo e os direitos de
importação do papel. Será a partir de 1860 quando a imprensa inglesa se tornará
uma verdadeira rival do Parlamento como plataforma de discussão política.
Já
em 1681, F. Winnington sustentou que não era natural nem racional que o povo,
que os havia eleito, não estivesse informado sobre as ações dos seus
representantes; Burke, um século depois, ao mesmo tempo que defendia a
independência de consciência e ação dos parlamentares, apoiará a conveniência
da publicação oficial de todos os atos das Câmaras e J. Bentham (1973: 103)
defenderá o princípio da publicidade parlamentar:
Antes de
entrar nos detalhes sobre a forma de funcionamento da Assembléia, vamos colocar
logo no início de seu regulamento a lei mais apropriada para assegurar a
confiança pública e, com isso, fazer com que possa cumprir sua finalidade como
instituição. Trata-se da lei sobre a publicidade.
Na
França, a liberdade de expressão fica perfeitamente contemplada nas Declarações
de Direitos de 1789 e 1793. Embora não tenha a tradição parlamentar da
Inglaterra, isso não é obstáculo para que, uma vez iniciado o processo
revolucionário, pratique-se com clareza e nitidez a atividade parlamentar e se
defenda a publicidade de suas sessões. Em 1789, a Assembléia Constituinte
nomeará uma delegação de 24 deputados para que expresse ao rei sua discordância
com o aparato militar em torno do lugar das sessões e com o fato de seu acesso
estar proibido ao público. Neste sentido, a Constituição de 1791 estabelece no
título III, capítulo III, seção 2, que “as deliberações do corpo legislativo
serão públicas e as atas de suas seções serão impressas”.
Com
a publicidade parlamentar consegue-se eliminar os arcanos da política e
permitir ao povo o conhecimento das razões e dos argumentos usados por seus
representantes no debate da coisa pública e na tomada de decisões que afetam a
população. A informação transforma-se, assim, em educação cívica, apoio à
participação política e é utilizada como controle político da atividade do
Parlamento.
O
fundamento da publicidade, portanto, deve ser situado nas transformações que
são produzidas com as revoluções burguesas, quando o Parlamento passa a ser
entendido como um órgão da sociedade e não mais como um órgão do Estado. Os
liberais aceitarão alguns argumentos dos fisiocratas tais como a separação
entre a sociedade civil e o Estado, a doutrina da ordem natural, a idéia de
liberdade e a regulação do mercado segundo as leis da oferta e da procura. O
único sistema de relações de interesses, dizem os fisiocratas, é aquele que se
desenvolve na esfera do privado (entre particulares), recusando o artifício do
Estado e negando, portanto, a distinção entre o público e o privado. Não existe
o público do Estado, mas o público do privado, assim como o mercado é o
responsável por regular a circulação dos produtos, a opinião pública terá como
missão racionalizar o mundo da política e a sociedade.
Se
a opinião pública expressa os desejos naturais e racionais dos homens, as
instituições públicas apenas poderão legitimar-se através dela na medida em
que, em sua formação e em seu funcionamento, recolham e traduzam concretamente
os seus conteúdos. Desta maneira, o Parlamento, que, por um lado, será
convertido na peça fundamental do sistema político, por outro, apenas encontrará
a sua razão de ser, e sua justificação final, enquanto se apresentar como parte
fundamental dessa estrutura da opinião pública e da publicidade burguesa.
O Parlamento,
segundo esta concepção, deve ser compreendido como um órgão da sociedade e não
do Estado, é um claro reflexo e uma continuação do diálogo político dos
particulares e, ao converter-se em veículo de canalização, orientação e
expressão da opinião pública, deve ater-se às regras da publicidade. O mandato
representativo que foi recebido de todos os cidadãos o obriga a dar publicidade
sobre tudo aquilo que discute e decide.
Parlamento e Imprensa
Por
um outro ângulo, é cada dia mais freqüente encontrarmos quem defenda a idéia
que os meios de comunicação, particularmente através dos seus produtos
jornalísticos, acabam por ocupar o espaço político que seria institucionalmente
destinado aos partidos políticos e, por conseqüência, ao Parlamento.
Gostaríamos de participar desta discussão argumentando que: 1. O sistema de
oferta e demanda que determina o funcionamento dos meios de comunicação de
massa, particularmente a imprensa, faz com que estejam diariamente em contato
com os cidadãos e a sociedade e não de tempos em tempos mais longos, como
ocorre com os partidos políticos, seja através dos programas eleitorais
exibidos ao longo da legislatura, seja, mais intensamente, durante os períodos
eleitorais; 2. Como conseqüência desta necessidade de renovação diária própria
dos meios de comunicação, produz-se uma relação entre esses meios e a sociedade
com uma tal intensidade que, dificilmente, seria possível imaginar tal
velocidade, constância e intensidade na relação do Parlamento com a sociedade.
Se
estes argumentos são verdadeiros, o Parlamento seria uma instituição
constitutivamente deficitária se comparada com a imprensa enquanto expressão ou
representação da opinião pública. Esta é uma das razões que explicam o
crescimento da insatisfação com a representatividade parlamentar em
praticamente todos os países democráticos. Insatisfação que é acompanhada pelo
espetacular desenvolvimento dos meios de comunicação social e o conseqüente
aumento do volume e diversidade de informações colocadas à disposição dos
cidadãos.
Tal
insatisfação, provocada pelo déficit de legitimidade, é acentuado pelo déficit
de eficácia de uma instituição que, se por um lado, simplifica demasiadamente a
sociedade quando a representa, por outro, é excessivamente complexa para poder
ser um instrumento de auto-direção política da sociedade. A forma com que o
Parlamento obtém a informação, a processa e a traduz em uma decisão vinculante
(lei), não o habilita a dirigir efetivamente a sociedade e é exatamente isso
que determina uma outra simplificação institucional adicional da complexidade
social, que se dá através da eleição de um Governo ou do poder Executivo.
Desta
forma, o Parlamento será permanentemente deficitário com respeito à opinião
pública do ponto de vista da legitimidade e permanentemente deficitário ante a
opinião pública no que diz respeito ao Governo e sua necessária eficácia, daí a
dificuldade de afirmar sua posição no dia a dia da vida do Estado. Apenas
quando há uma crise de legitimidade importante no sistema o Parlamento torna
visível sua posição central no Estado representativo, ponto de referência sem o
qual pouco se pode fazer.
Completamente
diferente é a posição da imprensa na sua relação com a opinião pública. Os
meios de comunicação, embora até seus proprietários desejem isso, não conseguem
traduzir a opinião pública em lei, não são obrigados a tomar decisões
vinculantes para o conjunto da sociedade. A imprensa tem a função de expressar
diretamente a complexidade social, de ser a expressão da sua diversidade, de
ser o representante da sociedade tal como ela espontaneamente se apresenta. E é
esta a função que está na origem do reconhecimento da liberdade de expressão
nos textos constitucionais, a de se permitir a expressão da opinião pública da
maneira mais direta possível, com a maior diversidade possível, como a melhor
fórmula para se chegar à interpretação racional da opinião pública e sua
transformação em ação de governo.
A
melhor maneira de perceber concretamente a diferença entre a função do
Parlamento e a da imprensa, na sua relação com a opinião pública, obtém-se
quando verificamos as cautelas que as Constituições incorporam para proteger o
Parlamento diante da possibilidade de um erro e as que são estabelecidas para
que a imprensa possa errar. A lei deve ser submetida a um processo de
verificação que não tem comparação com nenhum outro ato do Estado constitucional.
A imprensa, ao contrário, deve estar protegida não para que não se engane, mas
para que possa se enganar. A opinião pública deve ser capaz de se expressar
espontaneamente a qualquer momento e através de qualquer meio, em especial
através da imprensa, sem qualquer limite além da comprovação mínima
indispensável que garanta que o que se está transmitindo não é algo
intencionalmente incorreto. E isto é assim nas democracias porque a função da
imprensa não é a de traduzir em lei a opinião pública, mas a de permitir que
essa opinião pública seja ouvida e considerada da forma mais completa possível.
Em outras
palavras, as funções da imprensa e do Parlamento em uma sociedade democrática
são completamente diferentes, porém são complementares. Sem imprensa livre,
protegida constitucionalmente inclusive quando erra, não há sociedade
democrática. Sem um Parlamento que seja capaz de traduzir honestamente a
opinião pública em lei que vincula a todos e que verifique, através de um
processo meticuloso e demorado, a correção das decisões que serão tomadas, não
haverá Estado que possa funcionar e, por conseqüência, sociedade que se possa
auto-dirigir politicamente.
As
tensões entre o Parlamento e a imprensa estão inscritas, como diriam os
juristas, na natureza das coisas. No entanto, estas tensões se tornam
preocupantes quando os déficits de legitimidade e de eficácia estruturais do
Parlamento passam a ser identificados pela sociedade como sinais da
obsolescência da instituição.
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TOCQUEVILLE, A. O Antigo Regime e a Revolução. São Paulo:
Abril Cultural, 1973.
* O autor é
editor. Mestre em Ciência Política pelo PPGCP/IFCS/UFRJ, professor da PUC/Rio e
da Facha.
em 17/02/14
Como
estou acompanhando a disciplina do professor Wilson Gomes (@willgomes) na UFBA, achei interessante reproduzir para seus
alunos (e para outros interessados) a sua visão sobre as grandes teorias da
comunicação. Nesse primeiro ensaio, trataremos sobre o Agenda-Setting. Segundo
o professor Wilson Gomes, para entender o agenda-setting é preciso compreender
o contexto de sua criação, que pode ser dividido em três grandes elementos.
Primeiramente,
em sua visão, tratava das décadas de 60 e 70, no qual já havia um longo período
de normalidade democrática em oposição às duas guerras mundiais anteriores. Em
segundo lugar, é preciso considerar uma mudança no panorama da comunicação de
massa. O cinema que era um meio de massa, perdera a função de atualizar o
público. O rádio se tornara o principal meio para tanto. É a vitória
do broadcasting sobre a reunião social do cinema. As pessoas
se tornam acostumadas a receber as notícias em casa. De semelhante maneira, a
televisão ganhou muita força, oferecendo além do broadcasting, a experiência
audiovisual. Nos anos 70, ela se massificou nos EUA. “Um lar, uma TV”. Ou seja,
a universalização do acesso. E, em terceiro lugar, há uma modificação de
indicadores sociais, especialmente, no quesito da educação. O que significa um
incremento considerável no acesso ao ensino superior e a alfabetização
universal. Logo, uma das maiores restrições aos meios impressos desaparece.
/Toda
essa circunstância, na opinião do professor Wilson, permite a volta dos modelos
de efeitos fortes na comunicação, mas com uma diferença fundamental: sai a
questão do comportamento e entra o elemento cognitivo, mas enfatizando-se que o
comportamento é, em certa medida, afetado pelo cognitivo. Sendo o agenda-setting (ou
agendamento como costuma ser utilizado em português), o primeiro modelo a ser
testado.
/O artigo
seminal que apresenta a teoria é “The Agenda-Seting function of mass media” de
Maxwell Mccombs e Donald Shaw, que foi publicado em 1972. Gomes ressalta que é
preciso entender a idéia angloamericana de agenda, que não tem a ver com
agendar datas e reuniões (algo mais próximo do schedule). A agenda,
no sentido da teoria, está relacionada a prioridades, urgências, tarefas. Algo
similar a um “to do list”. Seria, dessa maneira, uma teoria da pauta. De se
pautar determinadas coisas. O professor ressalta que setting é igual a
estabelecer prioridades, sendo este o ponto principal da teoria do agendamento,
a construções de problemas sociais.
Aqui,
vale a pena adentrar essa questão. O que são problemas sociais? Conforme Gomes,
problemas sociais não são entidades existentes na ordem da realidade, não
sendo, portanto, concretos. Problemas sociais são eventos, assuntos, temas que
as pessoas coletivamente decidem que são problemáticos e que, logo, devem ser
pensados, que providências devem ser tomadas para saná-los. São eventos que
preocupam as pessoas. Porém é importante entender que nem todas as
circunstâncias podem ser consideradas problemas sociais. Logo, um problema
social é o problema reconhecido por uma quantidade de pessoas, por um coletivo.
Problemas sociais são, então, construções coletivas. Todavia, para que uma
situação, circunstância ou tema seja problema social, outros precisam sair da
agenda. É uma espécie de lista de prioridade.
/Assim,
a teoria do agenda-setting parte da premissa de que os meios
de comunicação de massa exercem uma função de agendamento. Eles são
responsáveis por dizer quais as prioridades dos problemas sociais. Sendo este o
principal papel de tais veículos. Como dito por Mccombs e Shawn, os meios de
comunicação não dizem o que você irá pensar, mas podem ser muito influentes em
dizer no quê você irá pensar.
/O
ponto de partida da pesquisa de Mccombs e Shawn é verificar a importância das
mídias massivas no período eleitoral, porém, como dito, eles não verificam se
os meios geram efeitos comportamentais. Vale-se da idéia de que antes da
decisão de voto ou mesmo das preferências individuais, há outros elementos
importantes que irão pesar nessas formações. E isso estaria diretamente
relacionado com a decisão do quadro de prioridades sociais e, consequentemente,
aos meios de comunicação. Os fatos “competem” pela atenção para virar problemas
sociais, para serem prioritários. Os acontecimentos invisíveis, afinal, não são
problemas socialmente reconhecidos por um coletivo.
Logo, há uma função dos meios de comunicação na construção de problemas sociais. Assim, os autores, partindo de tal premissa, desejam averiguar se o material apresentado pelos meios de massa é coincidente com o pensamento das pessoas. Ou, em outras palavras, se a agenda da mídia coincide com a agenda do público. Se ambos consideram as mesmas questões como prioridades ou problemas sociais.
Logo, há uma função dos meios de comunicação na construção de problemas sociais. Assim, os autores, partindo de tal premissa, desejam averiguar se o material apresentado pelos meios de massa é coincidente com o pensamento das pessoas. Ou, em outras palavras, se a agenda da mídia coincide com a agenda do público. Se ambos consideram as mesmas questões como prioridades ou problemas sociais.
/Tal
medição é realizada em duas etapas: 1) uma survey (pesquisa de opinião) com as
pessoas para que elas digam o que é prioritário e 2) análise de conteúdo das
matérias dos meios de comunicação. Inicialmente, Mccombs e Shaw trabalharam com
os meios impressos. E as pesquisas demonstraram que há uma correlação estreita
e reiterada estatisticamente entre as duas agendas. E, de acordo com a teoria,
primeiro muda a agenda dos jornais e depois a agenda do público se modifica de
acordo, porém Mccombs e Shaw não explicam como isso acontece. É claro que isso
não significa que há uma relação de causalidade. Mesmo a correlação estatística
não pode afirmar que a relação é direta ou mesmo que não haja outros fatores
impactantes em tais questões.
/Concluindo,
qual a importância dos estudos do agendamento atualmente? Segundo a opinião do
professor Wilson Gomes, os meios de comunicação de massa controlam a esfera de
visibilidade política. A política nas sociedades de massa não existe sem tal
intermediação. Tanto porque a classe política necessita de expor suas mensagens
ao público (que detém o poder do voto) quanto pelo fato de que a mídia é um
atalho do público para a classe política.
No primeiro, a questão se relaciona em como o campo político responde aos problemas sociais. Há uma batalha para definir qual será a agenda das eleições (o tema principal) e quem é mais capacitado para respondê-la. Todos os grupos na disputa eleitoral, assim, buscam adotar/priorizar o conjunto de agendas que atraiam o maior número de pessoas. O candidato que melhor responder ou que melhor parece capacitado a responder (seja por histórico ou por capacidade) tal problema social tende a ter grande vantagem na corrida eleitoral.
No primeiro, a questão se relaciona em como o campo político responde aos problemas sociais. Há uma batalha para definir qual será a agenda das eleições (o tema principal) e quem é mais capacitado para respondê-la. Todos os grupos na disputa eleitoral, assim, buscam adotar/priorizar o conjunto de agendas que atraiam o maior número de pessoas. O candidato que melhor responder ou que melhor parece capacitado a responder (seja por histórico ou por capacidade) tal problema social tende a ter grande vantagem na corrida eleitoral.
/No
segundo quesito, o professor Gomes defende que os meios de comunicação podem
ser um atalho à classe política. Segundo o professor, os representantes
políticos vêem a agenda das mídias, de modo geral, como idêntica à agenda do
público. “O que não se fala, não existe politicamente. Não produz agenda
política, não influencia o público e os tomadores de decisão”. Isso, de maneira
geral, demonstra porque determinados grupos, movimentos ou associações lutam
tão intensamente por atenção midiática.
/Assim,
os estudos de agendamento ainda apresentam grande importância e são vitais para
explicar certas lógicas de funcionamento dos meios de comunicação de massa (e
seus profissionais) e das ações dos atores políticos do sistema político formal
e da esfera civil (indivíduos e coletivos).
/Caso
você acredite que há pontos-chave que foram deixados de lado (o agendamento em
segundo nível foi propositalmente excluído), ou uma bibliografia relevante no
tema, deixe sua opinião nos comentários ou mesmo envie sua ponderação através
da aba “Colabore”.
/
Referências:
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